No dia em que completou trinta e três anos, ganhou uma muda de jabuticabeira. Todos sabiam que ele gostava de frutas. Foi plantá-la no quintal e, ao cavar o buraco, deparou com uma moeda antiga, de ouro. Chamou o filho de treze anos e mostrou-lhe a moeda. Já era quase noite. Não viu no rosto do menino o brilho estranho de seus olhos. Deixou para o dia seguinte a tarefa de plantar a muda da jabuticabeira. Tomou banho, perfumou-se, pegou a mulher e saiu com os amigos, para comemorar o aniversário. Quando voltou, já quase amanhecendo o dia seguinte, encontrou a empregada aos prantos. O menino sumira. E o quintal estava todo esburacado. Havia buracos, buracos de variados tamanhos, onde antes havia orquídeas, roseiras, dálias e sempre-vivas, um bem cuidado jardim, cultivado com carinho nas horas de folga. Chamou a polícia, vieram os bombeiros, a vizinhança assanhou-se, os jornais publicaram, a televisão filmou e os dias se passaram. Nada do menino. Os buracos, constataram os bombeiros, depois de minuciosa perícia, nem eram tão fundos que pudessem fazer desaparecer um menino de treze anos. O tempo passou, os jornalistas esqueceram o fato, a polícia arquivou o caso, a mulher (que nunca se conformou com o ocorrido) foi embora com outro. Ele ficou só. No quintal, num dos buracos, plantara a muda de jabuticabeira e nada mais brotou ou cresceu ali. Quando completou sessenta e seis anos, a jabuticabeira, que nunca frutificara, deu uma grande carga. Chamou alguns poucos amigos que ainda frequentavam sua casa e com eles dividiu o prazer de apanhar e chupar as jabuticabas, grandes e doces como eram as de sua infância. Continuou sozinho e, às vésperas de completar cento e dois anos, já velho e alquebrado, pediu ao enfermeiro que o conduzisse na cadeira de rodas até embaixo da também velha jabuticabeira, que nunca mais havia frutificado. Era um dia quente, muito quente e a sombra da velha árvore acolheu-o como a um amigo. Antes de dar o último suspiro, julgou ver entre os galhos da jabuticabeira o sorriso quase esquecido do filho perdido há tanto tempo. Quando contei essa história a um amigo, ele pensou que eu estivesse mentindo, que eu estivesse zombando dele, mas quando lhe disse que era apenas uma ficção, ele concordou e até me disse que conhecia a casa onde morrera o velho, no antigo bairro onde moravam seus pais.
10.9.97
(Ilustração: Carl Spitzweg - Der Maler im Garten - 1865)
(Você pode ouvir esse conto, na voz do autor, no seguinte link de podcast:
E fica a reflexão! Boca calada não entra mosca! Maldito o homem que confia em outro homem.!
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