8 de mar. de 2025

mau humor

 


o olho com que olho

para dentro de mim

tem cores intercorrentes

de espanto e desolação

mas são meus os abismos

apenas minhas as dores todas



o olho com que olho

o mundo que me cerca

tem cores de noites sem lua

e nuances de revolta inaudita

que embaralham o que eu penso

e o que eu penso está chorando

as lágrimas das florestas que ardem

o desprezo dos que afundam o mundo

no ouro dos negócios escusos

o escárnio dos que fazem as guerras

para manter seus domínios

com o sangue de crianças inocentes



não gosto de fazer poemas

quando aflora em mim o mau humor

embora não goste muitas vezes do olho

com que olho para dentro de mim



mas o olho azedo

com que vejo o mundo de fora

faz-me refém dos humores negros

com que vejo cadáveres insepultos

estraçalhados pelas balas insanas

quando vejo a matança que não para

quando vejo a destruição que come cada pedaço

de um mundo que eu julgava pertencer

a meus filhos e netos

e aos filhos e netos de todos os demais seres humanos



olho para a minha geração

e só vejo monstros que não têm filhos e netos

[ou se os têm com eles não se preocupam]

serão todos comidos pela guerra

serão todos devorados pelos estertores do planeta

e o planeta azul se vestirá de negro

para se livrar da raça que tenta destruí-lo

será quente como o sol

será frio como plutão

será de novo a pangeia

será de novo a geleia geral



e depois de muitos e muitos séculos

renascerá como o planeta azul da vida e da beleza

livre enfim

totalmente livre

dos vermes sapientes que um dia

tentaram destruí-lo



não gosto de fazer poemas

quando aflora meu mau humor

mas o olho com que me olho

e com que contemplo os meus abismos

definitivamente

não é o olho com que olho

os humanos que hoje habitam esse belo planeta

[vê-se que o meu mau humor

torna-se mais negro e mau

quando olho os olhos

dos demais homines sapientes]



é esta a minha sina de pretenso poeta

se olho para dentro de mim eu me ponho a lamentar

se olho para fora de mim eu me ponho a chorar





16.11.2023

(Ilustração: Arnold Böcklin (1827-1901) - a ilha dos mortos, quinta versão)


Ouça esse poema na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, num destes endereços:

- no YouTube:



- no podcast do Spotfy:

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