não sei se o que componho são canções
não sei se o que escrevo são poemas
canções ou poemas – pouco importa
não canto a vida como a vida devia ser cantada
[não sou cantor de passos perdidos]
não poetizo o estranhamento de poetar
[não sou poeta de rios perdidos]
canto ou revelo em meus versos primitivos
o desencanto de um mundo que se esboroa
como se esboroaram todos os mundos
de todos os poetas que me antecederam
[aliás nem sei bem se sou poeta]
quando escrevo essas linhas tortas
quando relembro algumas luas mortas
quando arrebento no meu peito todas as portas
o sangue de meus olhos fica nos meus olhos
os amores de minha vida ficam pelos caminhos
[pelos caminhos tortos por onde andei]
meus desgostos são meus e apenas meus
e a ninguém importa que eu os guarde
ou que eu os compartilhe com estrelas distantes
se o passado arreganha os dentes para mim
para ele também arreganho meus dentes
e tento fugir dos espinhos que estão rentes
aos caminhos por onde tropeço meus passos
tenho caído em tantos laços
tenho-me em enrocado em tantas raízes aéreas
tenho quebrado tantos sonhos em pedras polidas
tenho-me derriçado por tantas pirambeiras
que os ossos que me doem nesse desleixo de caminhar
só me doem quando paro e descanso
e quando paro e descanso – escrevo
escrevo o que me vem à memória esgarçada
talvez canções
talvez poemas
talvez apenas lamentos aos ventos
diatribes inúteis que amenizam meu caminhar
para um fim que não desejo – é claro –
inexorável – inexoravelmente
6.9.2025
(Ilustração: Valquíria Cavalcante)


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