20 de fev. de 2025
ateu renitente
16 de fev. de 2025
falsa moeda
13 de fev. de 2025
faca em brasa
7 de fev. de 2025
eu poeta solitário
4 de fev. de 2025
Eternidade
1 de fev. de 2025
espanto de viver
o espanto de viver se encerra
a sete palmos embaixo da terra
– depois não há – só lembrança
na mente de quem cultiva esperança
o pó do tempo cobre nomes e sobrenomes
– ficam palavras que não foram ditas
como verdades que são escritas
não no granito mas nas pedras-pomes
e a vida que era uma grande festa
– hoje lagarta e logo depois borboleta –
voa seu derradeiro voo sobre o mar e pela floresta
antes de espantar-se sob uma pedra preta
[ou ser sobre a tumba o vestígio de um nome – uma só letra]
30 de jan. de 2025
dois destinos
ao aguar no jardim as suas flores
deságua o jardineiro as suas dores
ao despejar um verso apenas na página branca
o poeta o seu ser mais profundo destranca
as flores – leva-as o vento um dia
o ser do poeta permanece na poesia
assim jardineiro e poeta cruzam um com o outro seu
destino
o jardineiro – talvez feliz com o tal vento repentino
já o poeta – à poesia tem para sempre enlaçado o seu
destino
25.11.2024
(Ilustração: Claude Monet - nenúfares)
26 de jan. de 2025
mandacaru
verde que te quero forte
estrela em gomos de espinhosa flor delicada e branca
em contraste
ao verde que resiste
à chuva e ao sol
ao vento e ao mormaço da tarde
e ao sereno da noite
raízes no barranco
cerca viva que não cerca a morte
lenta a tua vida verde
lento o teu despertar
ao sol e à chuva
ao vento não vergas
branca e bela
tua flor cor de lua
brilha mais que a lua cheia
o teu verde verdeja o vento
que passa e sibila pela noite
no ar o perfume flutua
depois de morta pétala a pétala
tua flor já murcha pela manhã
morre a flor – tua vida continua
como sempre teu verde seco
como sempre tua altivez
ao sol e à chuva tu resistes
meu belo mandacaru
resistes tanto que eu quero
e só o que mais espero
ser um dia como tu
23 de jan. de 2025
doce de leite
numa tarde nem fria nem quente
de pleno outono talvez
[mas pode ser tarde de verão
ou de qualquer outra estação]
nada penso que me apoquente
e quero apenas a levez
de algo que na minha língua se ajeite
como um gato num cesto de linho
como os dedos numa viola de pinho
o sabor mineiro do doce de leite
20 de jan. de 2025
desalento arretado
num susto de fim de tarde
numa lembrança maldita durante a noite
num abrir e fechar de olhos para a merda
vem
um surto
uma fossa
um desespero
o fundo do poço
aquele nó na garganta
aquele choro que não chega
o aperto no peito
um desalento arretado
e a vontade de jogar tudo para o alto
para subir de novo à superfície
para de novo a mente voltar ao normal
para a paranoia ir pra o raio que a parta
nada melhor do que ouvir um som no último volume
um tango argentino
um samba bem rasgado
um rock sem limites
um xaxado arrenegado
ou então
um clipe de johnny hooker
17 de jan. de 2025
consciência
meus ídolos já morreram,
estão velhos ou estão morrendo
e isso bate direto no peito
porque percebo que não tem jeito:
- eu estou encanecendo!
caminho pelo quintal lentamente
para não tropeçar no gato que enreda entre minhas pernas:
não posso – a essa altura da vida – levar um tombo
[e todo e qualquer velho sabe por quê]
e é isso o que me aborrece – pensar antes de dar um passo
pensar antes de fazer qualquer besteira
muitos amigos da minha idade
estão morrendo
e isso mexe com meus instintos
e mexe com minha sanidade
- eu estou envelhecendo!
leio muito – leio de tudo
para manter a mente funcionando
e quando escrevo os meus textos
eu às vezes percebo que algumas palavras
que eu quero usar
demoram mais para chegar à memória
ou tenho que usar artifícios para encontrá-las
morrer é contingência da vida
só não é o susto que me dá o pensar na morte
se tive assim alguma sorte
de sobreviver ao tempo e ganhar sobrevida
tenho que cuidar do agora
e sonhar com o tempo que me resta
de tal forma que não vá antes
do que eu quero seja a minha hora
e deixar de alimentar qualquer ideia mais funesta
7.4.2024
(Ilustração: Gustave Caillebotte)
12 de jan. de 2025
concerto para flauta e orquestra
lavra o lábio à flauta em busca do som
e o vento que vem do âmago do músico
cria o alento do voo mágico
- o sonho se faz som
e o som sonha o suave pranto da lua
- a sala de concerto torna-se plenitude do espanto
ao voo elegante de sons de vento
mirificadamente enevolados em sons de sonhos
sonhos de vagas vidas veladas vagando
em busca da esperança que dança nas tranças bem trançadas
de destinos improváveis
ao som da flauta que os lábios assopram
a sombra da paz perpassa pelos anseios vívidos
de vidas que pulsam e flauteiam à sombra do vento
no silêncio da orquestra – o suspense de futuros
no suspense da plateia – o espanto do arrepio
quando tremem os lábios do flautista
à nota agudíssima que finaliza o concerto
– freme a plateia ao aplauso que desperta
para que o sonho do vento se concretize
– há esperança na noite em cada janela que se apaga
[plagio mais um poeta: o homem sonha a poesia nasce]
11 de jan. de 2025
alteridade
quero às vezes contemplar um lago sereno
quero às vezes navegar por um rio caudaloso
quero às vezes perder-me numa floresta tropical
quero às vezes flanar pelas ruas da grande cidade
isso é minha alma peregrina dentro de mim
(eu que não acredito em alma)
a pedir que me aventure por lugares que não conheço
a pedir que saia de minha casca de ovo – a minha casa –
e me liberte de mim mesmo pelos ares do tempo
pelos ares das estrelas ou pelos caminhos das montanhas etéreas
e me perca de vez nos escaninhos de um planeta inabitado
mesmo que esse planeta esteja girando a milhões de anos luz
mas vivo dentro de uma bola de gude e sou apenas
aquele que olha o tempo e sabe que ele só me faz sofrer
8 de jan. de 2025
ailurofilia
encontrei afinal um amigo
que me fez mais humano
nunca briga comigo
mas não passa pano
nas bobagens que faço
quando tudo parece perdido
aperto-o num gostoso abraço
que é tudo que mais tenho querido
desse silencioso amigo
a quem sou muito grato
porque me fez pensar diferente
e respeitar cada ser vivente
esse amigo de fino trato
em silêncio – grande pensador
que nunca podia supor
e agora reafirmo este fato
– que encontrei muito amor
nos olhos claros de meu gato
5 de jan. de 2025
águas que sobem
quando as águas sobem
levam tudo que os pobres não têm
será que um dia
as águas vão subir
e bater na bunda dos ricos
quando as águas subirem
e baterem na bunda dos ricos
e levarem uma pequena parte
daquilo que os ricos têm
o que será que os ricos vão fazer
quando as águas sobem e levam
tudo aquilo que os pobres têm
o que fazem os pobres
depois de sentar e chorar
todos nós sabemos
depois que as águas baixam
deixando ainda mais pobres os pobres
de quem elas – as águas – levaram tudo
os pobres fazem mutirões
recolhem donativos
reconstroem suas pobres casas
reconstroem seus pobres barracos
e esperam a próxima cheia
[não têm os pobres outra opção]
e os ricos – o que fazem os ricos
quando sentem que as águas
subiram e bateram em suas bundas
levando parte – pequena parte –
de tudo quanto possuíam
[coisa que – convenhamos –
é muito difícil de acontecer]
ah os ricos! – os ricos tiram
seus traseiros gordos
das cadeiras de chefe
das poltronas de veludo
pegam seus iates gordos
navegam pelas águas gordas
com sorrisos de escárnio
bebericam uísque doze anos
dançam
festejam
e pescam dourados engordados
pelos restos que vieram
das cheias de todos os pobres
[não têm os ricos outra opção]
30 de dez. de 2024
subvida
não sei se vivo
ou sobrevivona dúvida
dessa subvida
dividida
em poucas subidas
e muitas descidas
só sei que divido
a minha vida
em antes da dívida
e depois da dívida
quando sem dúvida
há muito mais tempo de vida
e de subvida
que antes da vida sem dívida
dessa minha sobrevida
mais do que dividida
e agora sem subida
só descida
27 de dez. de 2024
sonho do poeta
tempo
vento
vida / morte
desdita / sorte
memória
história
caminhos
tudo quanto faz parte da minha poesia
muitos mais enredos que tempo e vento
que vida e morte
que história e memória
- os caminhos percorridos
os caminhos desejados
os passos nas nuvens
as nuvens na cabeça
e a cabeça nas nuvens
o poeta é isso e tudo mais
o poeta finge que mente o que deveras sente
[ou mais ou menos isso]
já o disse o Poeta – esse sim o bardo das palavras em liberdade
padece sempre o poeta – eu – talvez
da velha sentença perdida no tempo
e sonha que vai um dia despejar seus versos
em vasos de ouro de salões iluminados
que sonhe o poeta – eu – com os talvezes que não o empolgam
com a música que nunca ouviu
com os livros que nunca leu
com os caminhos que nunca percorreu
sábio será se um dia
mais uma vez
talvez
eu – o poeta? – partir para o sonho absoluto
e deixar no rabo do cometa
um dístico sem sentido
uma palavra torta
um verso mal escandido
para desespero de outro poeta – eu? você quem sabe? – num futuro remoto
sentado à beira do abismo
lendo e relendo até lhe arderem as pupilas
os versos e reversos de um poeta caolho
navegante
errante
de barcaças lentas sóbolos rios secos
da desesperança
24 de dez. de 2024
som de vida
busco um som perdido
na minha memória
em cafundós de sonhos
e invenções de história
um som de estranhos estalidos
de leves pisadas em tecidos
das teias entre galhos enegrecidos
um som que pode ser um grito
um som que pode ser um apito
ou apenas o leve ondular do vento
que não me traz nenhum alento
talvez apenas um pequeno agito
da flor no tronco do mandacaru
quando brilha no céu de agosto
a estrela maior do cinturão do guerreiro
e a cobra d’água se esconde no buraco do tatu
esse som que me traz desgosto
esse som que me angustia
no meu mergulho no passado
não está na noite nem no dia
está no peito entalado
como um quarteto de cordas desafinadas
a tocar sonatas num teatro vazio
no mesmo palco de luzes apagadas
onde minha mente tece melodramas
de angústias escondidas
em saudades atreladas
ao vento da noite que não dorme
sonho na madrugada insone
que esse som que me consome
não seja apenas uma quimera
em minha mente surgida
como uma teia mágica urdida
para que durem aqui na terra
os meus tão poucos dias de vida
21 de dez. de 2024
Sobre a solidão
Drummond fala da solidão do boi no campo.
Eu falo da solidão do gato no telhado.
Eu falo também da solidão do poeta na madrugada.
E lembro tantas outras solidões
que um poema seria pouco para todas elas desfiar.
Mas há uma solidão maior:
a solidão de um ser humano perdido na multidão.
O poço profundo a seus pés,
o horizonte perdido no fundo de suas retinas,
o desespero inaudito no esgar de seus lábios,
a lágrima que escorre pelo peito e pelas pernas
até chegar ao chão de estrelas mortas das ruas podres,
o espanto esburacando o fundo do peito.
E a seu redor o silêncio – o silêncio de milhões de vozes
– aos gritos e gemidos.
18 de dez. de 2024
saudade amarga
do jeito que andam minhas emoções
– todas – absolutamente todas –
à flor da pele
que se assistir a um show do roberto carlos
acabarei chorando
[e olhe que não gosto nem pouco dele]
mas o meloso de qualquer melodia
ou uma cena romântica na televisão
me trazem lágrimas aos olhos
e não sei se isso é fruto da idade
– que me apavora –
ou da saudade amarga
que a meu peito a todo instante aflora