os miseráveis da terra
serão sempre
os miseráveis da terra
enquanto os donos da mesa
servirem banquetes a seus acólitos
- governantes
- políticos
- magistrados
sob a cartola de cabeças coroadas
brilham os diamantes da fome
extraídos das bocas murchas
dos miseráveis todos da terra
o mundo gira em torno
das távolas redondas do poder
e o poder só muda de mãos
para continuar nas mesmas mãos
- de filhos
- de netos
- de parentes outros – todos coroados
rios de sangue dos miseráveis da terra
adubam lavouras arcaicas cultivadas
e semeadas
por máquinas robotizadas
a distância por drones guiadas
e essas máquinas azeitadas
de sangue suor e lágrimas
tornam inermes pelas estradas
os braços dos famintos todos
que caminham ao longo das fronteiras
- olhos murchos de escravizados
da fome e da miséria
expulsos das cidades cibernéticas
muradas e gradeadas pelos donos do poder
os povos todos de cada canto
calaram sempre no peito opresso
os seus cantos
os seus gritos
as suas dores
sob o jugo da impotência
sob o estalo dos chicotes
as mentes dominadas
pelas ideologias de deuses e profetas
e os miseráveis da terra
marcharam sempre sobre solos inundados
pisando vermes e restos de usinas de fogo morto
nos círculos fechados do poder sem limite
há falas de ódio sobre os altares dourados
há falas de ódio que jorram das tribunas
há falas de ódio nas sentenças judiciais
há promessas falsas em todas as instâncias
para enganar nos becos sujos
os miseráveis todos da terra
para o tantas vezes falsamente prometido
paraíso perdido e sempre encontrado
pelos donos do poder
nas estradas pavimentadas de ouro
os novos deuses conduzem seus veículos
para o futuro construído sobre os ossos
da civilização esquecida
nos bites e bytes de seus computadores de bordo
e um dia afinal do pesadelo chocalhados
pelos caminhos tortuosos da montanha
não choram mais os miseráveis da terra
na marcha inglória para estrelas distantes
entoam no alto da mais alta montanha
o seu canto derradeiro de esperança e luta
na mente de todos a lembrança de um archote
que no passado os palácios incendiou
lembram esses cantos agora entoados
que um dia o diabo ao capitalismo inventou
lembram esses cantos agora entoados
que um dia o deus dos poderosos
ao capitalismo abençoou
e a todos os povos da terra
o capitalismo escravizou
entoam agora o canto derradeiro
as vozes todas de todos os miseráveis
não haja mordaças que os calem
não haja látegos que os amedrontem
não haja bombas que os impeçam
sob os acordes da canção em dó maior
que soe o som das trombetas
que bata forte a batida dos tambores
que tremam as pedras das estradas
no passo marcado de todos os passos
que já se unem todas as vozes num só grito
que do buraco mais profundo
do mais profundo oco do mundo
arrancam para o vento das estrelas
com a força de todos os demônios
o vendaval que vai enfim destruir
a invenção maior dos deuses e do diabo
não clamam os cantos derradeiros
pela graça de todos os demônios
ou pela fúria de todos os deuses
porque sabem todos
todos os miseráveis da terra
que a graça de todos os demônios
e a fúria de todos os deuses
moram nesse uníssono grito primal
que transborda agora nesta marcha triunfal
para a força de seus braços endurecidos
para a força de suas mãos calejadas
e com essa força enfim reunida
poderão mudar a história
poderão cantar vitória
e jogar bem no fundo do abismo
destroçado e destruído
– o maldito capitalismo
27.8.2024
(Ilustração: Cândido Portinari - retirantes, 1955)