um pensamento que veio e se foi
é pluma ao vento – metáfora idiota –
que alimenta o verso
que voa ao vento
leve como o lento
pensamento
na busca da poesia escondida
louca a vida assim decidida
ao balanço da rede
na noite de muita sede
quando no ponto fixo do desastre
das chuvas de verão
o clima esquenta
e o cérebro se desorienta
o pensamento pula de categoria
para o espaço que não existe
e tudo quanto persiste
ensandece e sua
ao calor da pele nua
vento que não veio
é vento que não virá
sobe o desatino de viver
baixa o sonho de sofrer
balança o galho da roseira
não solta pétalas
a flor que já morreu
protege o ninho
o eterno passarinho
que reside no meu peito
por ele voo à toa e sem jeito
de achar o rumo certo
mesmo longe de mim
mesmo perto do meu fim
sou a folha ao vento
[outra metáfora meio besta
que meu estro detesta]
sofro apenas
todas as penas
de quem odeia as paredes
que separam os casais
sofro apenas
todas as penas
de achar que são inúteis
camas que não gemem mais
ao peso dos casais
no despejo das dores
de todos os amantes
não seja o peso do tempo
nas asas loucas do vento
o motivo de sofrimento
de cada jabuti na floresta
que cada enlace vire festa
[mesmo que abraço de jabuti]
e seja o tempo que já vivi
breve lembrança que marca a testa
leve ruga de preocupação
quando o mendigo chuta o cão
que o protege da faca do ladrão
o passo que cruza o paço
marca o caminho do laço
que enforca o assassino
sabemos todos que o sino
que repica na catedral
cada dia todo o ano
para festejar o enforcamento
alerta para o eterno sinal
que tem o coração humano
desde o seu nascimento
- a marca que o impele
a amanhar sempre o mal
2.2.2025
(Ilustração: escultura de Hans Bellmer - The doll, c.1939)