26 de nov. de 2025

cançoneta de verão

 






são onze e meia da noite

e não quero dormir tão cedo

o gato na minha cama

dorme o sono de todos os gatos



receio a insônia que pode vir

depois de um dia de calor intenso

não sei o que quero

não sei o que penso



talvez o verão mais quente que o normal

traga tempestades inconsequentes



no meu quarto diminuto

apenas a música que me chega

pelas ondas hertzianas



meu pensamento voa

busca sombras de vento

ouço apenas a canção insana

de tristes lamentos

que parecem latidos

da garganta de um cão



prevejo sonhos que viram pesadelos

e ouço melodias que arrepiam os pelos

dos meus braços sem abraços

já tão cansados de sonhos baços

que não levam a lugar nenhum



ronrona o gato na minha cama

bate a insônia no meu peito

do fundo da noite a canção

que devia vir de algum ponto

de uma aurora ainda estrelada

são notas despejadas

pelas pedras de uma estrada

por onde caminham peregrinos

que se misturam aos assassinos



são todos seres inúteis

soltam fogos fúteis

cantam canções inconsúteis



nesse momento eu quero

que todos sintam

o que sempre senti

no meu grito para o infinito

- quanta falta faz a Rita Lee




2.2.2025

(Ilustração: Paulo Terra, Pedro Terra e Eraldo Mourana 
- mural na Vila Mariana, São Paulo, SP)

23 de nov. de 2025

canções ou poemas

 





não sei se o que componho são canções

não sei se o que escrevo são poemas

canções ou poemas – pouco importa

não canto a vida como a vida devia ser cantada

[não sou cantor de passos perdidos]

não poetizo o estranhamento de poetar

[não sou poeta de rios perdidos]

canto ou revelo em meus versos primitivos

o desencanto de um mundo que se esboroa

como se esboroaram todos os mundos

de todos os poetas que me antecederam

[aliás nem sei bem se sou poeta]



quando escrevo essas linhas tortas

quando relembro algumas luas mortas

quando arrebento no meu peito todas as portas

o sangue de meus olhos fica nos meus olhos

os amores de minha vida ficam pelos caminhos

[pelos caminhos tortos por onde andei]

meus desgostos são meus e apenas meus

e a ninguém importa que eu os guarde

ou que eu os compartilhe com estrelas distantes



se o passado arreganha os dentes para mim

para ele também arreganho meus dentes

e tento fugir dos espinhos que estão rentes

aos caminhos por onde tropeço meus passos



tenho caído em tantos laços

tenho-me em enrocado em tantas raízes aéreas

tenho quebrado tantos sonhos em pedras polidas

tenho-me derriçado por tantas pirambeiras

que os ossos que me doem nesse desleixo de caminhar

só me doem quando paro e descanso



e quando paro e descanso – escrevo

escrevo o que me vem à memória esgarçada

talvez canções

talvez poemas

talvez apenas lamentos aos ventos

diatribes inúteis que amenizam meu caminhar

para um fim que não desejo – é claro –

inexorável – inexoravelmente





6.9.2025

(Ilustração: Valquíria Cavalcante)

20 de nov. de 2025

abismos insondáveis

 




enchi de vazios os espaços vazios de minha solidão

passeei pelos interstícios de sentimentos implausíveis

naveguei pelas profundezas de mágoas e desesperos

para chegar a um porto inundado por águas podres e peixes mortos



meu cérebro cansado das sinapses desconjuntadas

por torpezas que não cometi

por pecados com que sonhei

por escapes e descaminhos desesperados

quase entrou em curto-circuito

e os anseios de dias felizes afundaram de vez

nos vazios de meus abismos insondáveis



22.9.2025

(Ilustração: escultura de Albert György)

17 de nov. de 2025

a pressa dos mortos

 




na praça a fila de mortos

[muitos]

– todos aparentemente calmos –

mesma posição

de rosto para cima e mãos ao longo do corpo

mesmas roupas – todas de baixo –

[calções e cuecas coloridos]

sem camisas

[uma quase nudez de cristos nas cruzes

mas não há cruzes – apenas o asfalto negro

sob seus corpos]

e negros também são todos eles

sim – negros – e homens – todos

todos eles homens de todas as idades

e negros sobre o negrume do asfalto



ao redor deles – pessoas vivas

muita – muita gente – os curiosos de sempre

e uns poucos – muito poucos – parentes atônitos

[mas ninguém chora]

rodeia-os a procissão de mulheres – muitas

e de crianças – algumas [por que estão ali?]

e uns poucos homens – brancos e negros

atônitos todos – e não choram, não: não choram

– apenas os observam com olhos de vidro



os cadáveres – ah sim os cadáveres – eles!

eles estão calmos

aparentemente calmos – mas têm pressa

eles têm pressa de cumprir seu destino

[e não é preciso dizer qual é o destino dos cadáveres]

mas há uma outra pressa que esses mortos

[expostos na praça aos olhos de todos] têm

– a pressa de que algum juiz

[e você que me lê – conhece algum?]

deles se compadeça

e julgue quem os furou com tantas balas

– e tanto ódio!

[ainda que sejam quase todos eles – bandidos]



2.11.2025

(Ilustração: Théodore Géricault - anatomical pieces)

14 de nov. de 2025

POEMAS (QUASE HAIKAI) - CROMOS

 




1.



Jaz a flor – murcha

sobre o túmulo.

Sabes, é tarde demais.



2.



No horizonte – o sol

Se põe. Rompem a tarde

Muitos aplausos.



3.



A lua vem – trazendo

para a noite

perfume de jasmim.



4.



No gramado,

muitas cores: – A roseira

Se Despetalou.



5.



Som de vento

no telhado. Chuva.

Depois – só o silêncio.



6.



O rio que passa

carrega com as águas

– a paisagem.


7



Um sonho de cores

bate na tarde as

asas – um beija-flor.



8



Chuva e sol. Casamento

da viúva e do espanhol:

– Arco-íris.



9



A riscar o azul do céu

da tarde um grito

verde – maritacas!



10



A tarde cai. Depois do

baque, o silêncio da noite é

– só susto.



11



De dentro da toca, o

rato pula. O gato

mia: – seu Fast-food.



12



No mato, o rato;

no rato, o gato: depois,

– um silêncio gordo.



13



A coruja pia. Arrepia.

A pia pinga. – A

pinga esquenta.



14



O frio do inverno torna

mais longa a espera

– da primavera.



15



No quintal, dorme a

gata e – livre, o pardal

a catar minhoca.





2.11.2019 / 29.10.205

(Ilustração: fig Catherine Chauloux)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

11 de nov. de 2025

ESPELHO PARTIDO

 


Aida e Aída. Diferença de tônica. Aida e Aída, diferença de poucos meses. Aida, aquariana e Aída, sagitariana. Nascidas no mesmo dia, 25, e na mesma cidade do mesmo ano. Coincidências que iam ao ponto de parecerem gêmeas idênticas: o mesmo perfil, o mesmo tipo de olhos, a mesma boca, a mesma altura. Não fosse o detalhe de Aida ser loura e Aída, morena, ninguém as distinguiria. Sósias, não irmãs. A coincidência de terem amigos comuns levou-as a saber uma da outra.Acabaram se conhecendo, num barzinho freqüentado por esses amigos. Ao ato de se verem seguiu-se o sentimento incomum para ambas: a paixão. Desse dia em diante, unha e carne. Deixaram amigos, deixaram família, quase deixaram emprego (Aida era secretária e Aída, caixa de banco). Alugaram um pequeno apartamento no Bixiga para serem felizes para sempre. Chamavam a atenção de olhos masculinos e de outros nem tanto. Companheiras fiéis e constantes, fizeram juntas a faculdade de letras e passaram a lecionar na mesma escola: Aida, português e Aída, inglês. Mudaram-se para um apartamento maior, na Paulista, e lá reinavam numa pequena corte de amigos e admiradores. Perderam o viço os cabelos louros de Aida. Pintalgaram-se de branco os cabelos negros de Aída. Pintaram-nos ambas com a mesma cor, o que lhes acentuou a semelhança física. Até amigos de longa data costumavam confundi-las. Imagens invertidas de espelho. Aos sessenta anos, aposentaram-se. Aos setenta, descobriram-se diabéticas. Aos setenta e cinco, poucos dias antes de completarem as bodas de ouro, o espelho partiu. Diante do caixão de Aida, Aída manteve-se serena: não vestiu luto, não chorou uma só lágrima. Depois, vendeu tudo o que ambas possuíam, até o apartamento. Desapareceu. Alguns disseram que fora para a Europa. Outros, que se mudara para o interior de Minas. Só o que se sabe é que, cinco anos depois, um dos amigos que freqüentava o apartamento da Paulista lembrou-se delas num dia de finados e reuniu um grupo remanescente para levar flores ao túmulo de Aida, no Cemitério da Consolação. Surpresa: ao lado da foto de Aida, com a data de nascimento e morte, a fotografia de Aída, ainda jovem e morena. Abaixo, a inscrição: “a vida deste lado do espelho não vale a pena, meu amor”. Sem qualquer outra informação. Vasculhados os documentos legais, descobriram que ela morrera poucas semanas depois de Aida. No atestado de óbito, a causa da morte estava em branco.






Isaias Edson Sidney

quarta-feira, 30 de abril de 2003

Grupo de Contistas de São Paulo


(Ilustração: Diego Rivera - retrato de duas mulheres, 1914)




8 de nov. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 20.Se eu fosse...

 

(Dominação feminina: klyster; autoria não identificada)


Imaginá-la a cagar me faz um gosto e um desgosto:

Vejo-a a liberar a massa pastosa e fétida

Que, de qualquer forma, é acariciada

Pelas carnes íntimas de você,

Coisa que eu, sem acesso a esse universo,

Penso valer menos que um troço,

Que um naco de merda.

Ah!, se pelo menos merda eu fosse,

A sua merda!



(2018)


fim

7 de nov. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 19.Merda

 



(Johann Nepomuk Geiger,1805 – 1880, Austrian) 




Não reclames que é de pobre

a merda que teu cu caga:

quando minha pica te enraba,

encontra nele a função mais nobre!



(Natal, RN, 7.6.2011)

6 de nov. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 18.Boca

 



(Autoria não identificada)




Quem tem boca

não morre à míngua:

se falha o pau,

nunca falha a língua.


4 de nov. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 17.Vida

 


(Max Švabinský,1918)


Sopro de leve os pelos

de teu púbis

e abro teus segredos.

Os lábios retêm teu grelo

e tu gemes baixinho.

De novo o sopro, de novo teus pelos

se arrepiam na breve aragem:

é só a vida gozando em minha boca.



3 de nov. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 16.Tempo

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2 de nov. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 15.Flor de maio

 


(André Lambert - 1884-1929)



Abriste-me teu corpo,

com todo o teu perfume,

com todo o teu orvalho,

por uma noite apenas,

apenas por uma noite.




1 de nov. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 14.Poemas de amor

 

(Lenkiewicz - 1978)



Que sejam breves

os poemas de amor.

Breves como o leve

espasmo

de teu corpo,

meu amor, na hora

do orgasmo.





31 de out. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 13.Pressa

 

(Paul Émile Becat)



Dispo-te em dois segundos

em louca ânsia de amar.

No entanto, correste mundos

e fundos, para achar

a mais linda lingerie

que - desculpe, eu não vi –

pudesse me agradar.





30 de out. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 12.ÚItimo

 

(Frida Castelli) 


Enquanto no banho te lavas,

Penso, louco por foder-te:

Vieste, puta, como as escravas,

Mas não é assim que quero ver-te:

Se por qualquer dinheiro me davas,

Quero, sim, ser o último a comer-te.



29 de out. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 11.Atriz

 

(Erich von Gotha)


Na cama-palco em que atuas

fazes-me tu mais feliz

quando tuas ancas nuas

abrem-se nesta disputa

entre teus encantos de atriz

e o nobre destino de puta.


28 de out. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 10.Cilícios

 

(Suzanne Ballivet)




A ti me entrego em holocausto,

na chama que nasce de teu vício.

É teu corpo em transe um fausto

que compensa o meu suplício.

Não te nego e tu não me negas:

mesmo quando aperto teus cilícios,

sou eu a morrer em mil entregas.






27 de out. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 09.Intimidade

 

Luc Lafnet (les jeux du plaisir) 




Quero a intimidade da carne

sem nenhum pudor.

Por isso, teu pequeno botão

molho com muito charme

até abri-lo na mais bela flor.


26 de out. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 08.Tesouro

 


Serpieri: Druuna


Fechado o ânus como um cofre,

há somente uma chave para abri-lo:

por isso, para entrar, o pau sofre,

faz seu dono perder um quilo

e precisa agir com toda a perícia.

Mas depois que entra – que delícia!


25 de out. de 2025

POEMAS FESCENINOS: 07.União


 

Graveurs libertins du XVIIIe siecle: Bartolomeo Pineli-Belli, Belli Penzieri



Vem, tu dizes,

meu corpo é chama.

E então somos felizes 

na mesma cama.