11 de dez. de 2025

lua morta

 




quando os

lábios que

beijavam

outros lábios

beijam agora

o vento

e fecham-se ao

silêncio de

uma noite sem luar

bate no peito um

frêmito

de passos ocos

de fantasmas que

caminham por

estradas de

pedras toscas

sem olhar

para trás

[proibido o retorno]


só o abismo e a solidão do abismo

e então

onde

tudo que era

cor e luz

para os

beijos

de lábios rubros

vira o beco onde

se agrupam mais

e mais

os fantasmas

- abantesmas tresloucados

a rugir à lua

a quebrar o

ruído dos

passos ocos


nos dentes

de fera

o desejo morto

insepulto

que

não

devia

nunca

ter

ressurgido

ao grunhido

do vento

à luz

da lua

para sempre


morta morta morta



28.11.2025

(Ilustração: Odile de Schwilgué: lune et mars)



8 de dez. de 2025

inúteis poemas

 




às vezes penso

quão inúteis os meus poemas

versos e mais versos que não aliviam

as minhas desesperanças

nem abalam corações e mentes

penduricalhos – apenas penduricalhos

de uma vida – margem de rios

em pororoca – que se esboroa



tento reconstruir com meus poemas

as pontes naufragadas

nos rios de minhas lágrimas

e os traços tortos desses esboços

servem somente aos meus sonhos

como raios tênues de esperanças mortas



muitas vezes penso

quão vazios os meus poemas

– inúteis como a própria vida

que carrego – casco endurecido

de um jabuti sem rumo –

per una selva oscura



tantas vezes penso e repenso

quão toscos os meus poemas

– calhaus que as águas levam

para os poços profundos

das cachoeiras

de minhas frustrações



então a certeza

– se a vida me empobreceu

também meus versos

ficaram mais pobres

[não que fossem nobres]

reflexo do que tenho vivido

consequência inevitável

– o que é mais provável –

de tudo que tenho sofrido



8.8.2025

(Ilustração: escultura de Bruno Catalano - Les Voyageurs; 

Marselha, França)










5 de dez. de 2025

febril insanidade

 




escapa-me o pensamento

pelas gretas da memória

e vaga por becos escuros

das ligações neurais

para buscar mundos oníricos

no entremeio

de versos e reversos



por entre os espaços

de um e e outro

mundo de sonhos

penso que

por isto sou poeta:

para enganar-me

a mim

e a meus neurônios

na febril insanidade

de fazer poesia



28.11.2025

(Iluatração: Cândido Portinari: dom Quixote; 1956)

2 de dez. de 2025

eu e meu gato

 


no microcosmo quântico de minha solidão

para que minha voz

não seja tragada pelo silêncio

converso com meu gato



ronrono para ele

ele ronrona para mim

e entendemo-nos assim

se ele me pede ração

dou-lha

se ele me pede água

dou-lha

se ele me pede carinho

dou-lho



sinto-me então um douto poeta lusitano

a usar essas estranhas formas pronominais

mas isso é o de menos em nossa relação



entre mim e meu gato ou entre meu gato e mim

ronrona a solidão de carinhos silenciosos

e pequenas trocas – também silenciosas – e desejos inconfessados

invejo-lhe a rapidez com que se enrodilha e dorme

em cima de meu peito

ao lento baloiçar da rede

em mornas tardes de mormaço e preguiça

[ah! que delicioso lusitanismo esse baloiçar!]



sim – espreguiçamo-nos silenciosamente

espelhando-nos alheios ao mundo feio lá de fora

porque mundo feio lá de fora enrijece nossos sentimentos

e queremos ser fluidos um com o outro

[se é que você que me lê me entende]



não sei se de mim tem ele alguma inveja

embora leia às vezes em seus olhos claros

uma ou outra admoestação

humano como sou [essa obviedade bem humana]

deve achar-me apenas um provedor

e nada mais do que isso

um provedor não só de sua subsistência

mas também de leves e lentas carícias por seu pelo eriçado



[penso eu que os gatos

que vivem ao lado de humanos

só toleram essa companhia em troca

de uma boa dose diária de afagos]



discreto sempre em sua felinidade

jamais se revolta ou se manifesta contra minhas manias

nem eu – discreto sempre em minha humanidade –

jamais implico com as manias dele

– que manias temo-las ambos aos montes



aceitamo-nos assim

tacitamente um para outro

ronronado e miando

humanizando-se ele

felinizando-me eu



se se pode chamar a isso de receita

que seja exemplo para os humanos lá de fora

que é essa a forma que encontramos

de conviver civilizadamente

em nosso microcosmo quântico



não temos medo de buracos negros

que engulam de repente nossas afabilidades

não temos medo de explosões ou big-bangs

que venham do mundo lá de fora

para romper o mágico silêncio

de nossa compartilhada solidão



[talvez seja isso

felicidade

mas nem eu nem ele

temos tal certeza]



10.9.2025

(Ilustração: foto do autor: gato Theo, agosto de 2024)

29 de nov. de 2025

delírio

 


 

quando te despes para mim

a vida se mostra em sua potência

- todos os sóis do universo se apagam

e as constelações todas se colapsam

num imenso buraco negro

 

ali – naquele quarto imundo

de hotel vagabundo

tudo o que existe se resume

no teu corpo desnudo diante de mim

 

sou eu o senhor de todos os mundos

o deus de poderes supremos

que num dia de inspiração

criou o universo apenas para viver

este momento de delírio

quando tu te despes para mim


 

13.11.2025

(Iluatração: August Riedel)

26 de nov. de 2025

cançoneta de verão

 






são onze e meia da noite

e não quero dormir tão cedo

o gato na minha cama

dorme o sono de todos os gatos



receio a insônia que pode vir

depois de um dia de calor intenso

não sei o que quero

não sei o que penso



talvez o verão mais quente que o normal

traga tempestades inconsequentes



no meu quarto diminuto

apenas a música que me chega

pelas ondas hertzianas



meu pensamento voa

busca sombras de vento

ouço apenas a canção insana

de tristes lamentos

que parecem latidos

da garganta de um cão



prevejo sonhos que viram pesadelos

e ouço melodias que arrepiam os pelos

dos meus braços sem abraços

já tão cansados de sonhos baços

que não levam a lugar nenhum



ronrona o gato na minha cama

bate a insônia no meu peito

do fundo da noite a canção

que devia vir de algum ponto

de uma aurora ainda estrelada

são notas despejadas

pelas pedras de uma estrada

por onde caminham peregrinos

que se misturam aos assassinos



são todos seres inúteis

soltam fogos fúteis

cantam canções inconsúteis



nesse momento eu quero

que todos sintam

o que sempre senti

no meu grito para o infinito

- quanta falta faz a Rita Lee




2.2.2025

(Ilustração: Paulo Terra, Pedro Terra e Eraldo Mourana 
- mural na Vila Mariana, São Paulo, SP)

23 de nov. de 2025

canções ou poemas

 





não sei se o que componho são canções

não sei se o que escrevo são poemas

canções ou poemas – pouco importa

não canto a vida como a vida devia ser cantada

[não sou cantor de passos perdidos]

não poetizo o estranhamento de poetar

[não sou poeta de rios perdidos]

canto ou revelo em meus versos primitivos

o desencanto de um mundo que se esboroa

como se esboroaram todos os mundos

de todos os poetas que me antecederam

[aliás nem sei bem se sou poeta]



quando escrevo essas linhas tortas

quando relembro algumas luas mortas

quando arrebento no meu peito todas as portas

o sangue de meus olhos fica nos meus olhos

os amores de minha vida ficam pelos caminhos

[pelos caminhos tortos por onde andei]

meus desgostos são meus e apenas meus

e a ninguém importa que eu os guarde

ou que eu os compartilhe com estrelas distantes



se o passado arreganha os dentes para mim

para ele também arreganho meus dentes

e tento fugir dos espinhos que estão rentes

aos caminhos por onde tropeço meus passos



tenho caído em tantos laços

tenho-me em enrocado em tantas raízes aéreas

tenho quebrado tantos sonhos em pedras polidas

tenho-me derriçado por tantas pirambeiras

que os ossos que me doem nesse desleixo de caminhar

só me doem quando paro e descanso



e quando paro e descanso – escrevo

escrevo o que me vem à memória esgarçada

talvez canções

talvez poemas

talvez apenas lamentos aos ventos

diatribes inúteis que amenizam meu caminhar

para um fim que não desejo – é claro –

inexorável – inexoravelmente





6.9.2025

(Ilustração: Valquíria Cavalcante)

20 de nov. de 2025

abismos insondáveis

 




enchi de vazios os espaços vazios de minha solidão

passeei pelos interstícios de sentimentos implausíveis

naveguei pelas profundezas de mágoas e desesperos

para chegar a um porto inundado por águas podres e peixes mortos



meu cérebro cansado das sinapses desconjuntadas

por torpezas que não cometi

por pecados com que sonhei

por escapes e descaminhos desesperados

quase entrou em curto-circuito

e os anseios de dias felizes afundaram de vez

nos vazios de meus abismos insondáveis



22.9.2025

(Ilustração: escultura de Albert György)

17 de nov. de 2025

a pressa dos mortos

 




na praça a fila de mortos

[muitos]

– todos aparentemente calmos –

mesma posição

de rosto para cima e mãos ao longo do corpo

mesmas roupas – todas de baixo –

[calções e cuecas coloridos]

sem camisas

[uma quase nudez de cristos nas cruzes

mas não há cruzes – apenas o asfalto negro

sob seus corpos]

e negros também são todos eles

sim – negros – e homens – todos

todos eles homens de todas as idades

e negros sobre o negrume do asfalto



ao redor deles – pessoas vivas

muita – muita gente – os curiosos de sempre

e uns poucos – muito poucos – parentes atônitos

[mas ninguém chora]

rodeia-os a procissão de mulheres – muitas

e de crianças – algumas [por que estão ali?]

e uns poucos homens – brancos e negros

atônitos todos – e não choram, não: não choram

– apenas os observam com olhos de vidro



os cadáveres – ah sim os cadáveres – eles!

eles estão calmos

aparentemente calmos – mas têm pressa

eles têm pressa de cumprir seu destino

[e não é preciso dizer qual é o destino dos cadáveres]

mas há uma outra pressa que esses mortos

[expostos na praça aos olhos de todos] têm

– a pressa de que algum juiz

[e você que me lê – conhece algum?]

deles se compadeça

e julgue quem os furou com tantas balas

– e tanto ódio!

[ainda que sejam quase todos eles – bandidos]



2.11.2025

(Ilustração: Théodore Géricault - anatomical pieces)

14 de nov. de 2025

POEMAS (QUASE HAIKAI) - CROMOS

 




1.



Jaz a flor – murcha

sobre o túmulo.

Sabes, é tarde demais.



2.



No horizonte – o sol

Se põe. Rompem a tarde

Muitos aplausos.



3.



A lua vem – trazendo

para a noite

perfume de jasmim.



4.



No gramado,

muitas cores: – A roseira

Se Despetalou.



5.



Som de vento

no telhado. Chuva.

Depois – só o silêncio.



6.



O rio que passa

carrega com as águas

– a paisagem.


7



Um sonho de cores

bate na tarde as

asas – um beija-flor.



8



Chuva e sol. Casamento

da viúva e do espanhol:

– Arco-íris.



9



A riscar o azul do céu

da tarde um grito

verde – maritacas!



10



A tarde cai. Depois do

baque, o silêncio da noite é

– só susto.



11



De dentro da toca, o

rato pula. O gato

mia: – seu Fast-food.



12



No mato, o rato;

no rato, o gato: depois,

– um silêncio gordo.



13



A coruja pia. Arrepia.

A pia pinga. – A

pinga esquenta.



14



O frio do inverno torna

mais longa a espera

– da primavera.



15



No quintal, dorme a

gata e – livre, o pardal

a catar minhoca.





2.11.2019 / 29.10.205

(Ilustração: fig Catherine Chauloux)