7 de abr. de 2009

DESEJOS

 


 (Rafael - as três graças)







te amo a estética

esquelética

o recomposto hímen

macerada virgem



cristal de lábios

siliconado seio

côncavo

(a estocadas de agulhas)

a convexa curva

do abdômen

calipígea vênus

ao bisturi esculpida



te amo a estética

turbinada em ondas

de raios gama

virgem sempre

ao meu toque

apenas mulher


18.1.99





de ti não me desgosto

à dura carne

de sabor duvidoso



em ti não me desgraço

ao doce sabor

de palavras inúteis



és o fruto

do teu próprio sonho

e contigo eu sonho

a esculpir com as mãos

em seda e arminho

o falso corpo

que teu corpo sonha


19.1.99








de ti escorre

a teus olhos múltis

em cascatas pétreas

a vida em mel



dulcíssima: sabes às estrelas

porque sabes à luz



de ti estrelas fogem

cometa que és

matas com tua cauda em gelo

cada esconso negror

que meu ser constrói



de teus pétreos olhos

o mel apenas sabe

à espera inútil


19.1.99





corça ou peixe

gazeteias a vida



às ondas de teu andar

mágicas as ancas

de ondeios e requebros



mágicas as coxas

em esguio marear



suavidades de sombras

nas leves

lívidas

pegadas:

cavidades buscadas

do meu olhar



ondeias corça

como ondeia o mar



caminhas peixe

como zumbe o vento



enquanto corre em luz

o pranto meu

e pranteias a vida

que roubas de mim





19.1.99





colaste teu cheiro

no meu espanto

bebeste teu enleio

no meu quebranto



serpenteias como o Nilo

em dias de cheia



derramas-te cascata

em noites de lua



és apenas aquela

que um dia foi

a esperada


19.1.99





mortífero veneno

o teu seio



túmulo fatal

o teu monte sagrado



vis mortais

ali um dia

tornaram-se deuses


19.1.99






na cruz suástica

das tuas pernas

escondes gozos

escondes fogos



debruças em riso

enquanto queimam

ardores fátuos

de mil escravos

de teus enclaves



e a cruz suástica

de tuas pernas

queima cristos

e não cristãos

19.1.99





queres-te planta

a vergar ao vento



querem-te riacho
a moldar a terra

a fazer caminhos

enquanto ondeias



queres-te felina

em gozo livre



querem-te brisa

de sutil enleio

a cruzar o campo

a soprar o pólen



queres-te flecha

apenas ágil



querem-te terra

a queimar em brasa

oleira apenas

de alheias casas




quero-te apenas

para morrer

em gozo nos teus

montes e vales

2.2.99





teu dedo em riste

flecha a angústia

dos meus desejos



teus dedos longilínea estrada

abrem picadas de arte e força

enquanto sigo o rastro aéreo

com vagos olhos de sonhos loucos



teus todos dedos

rasgam peles

desnudam furores

esgotam seivas

traduzem espantos

negam prazeres

matam desejos

2.2.99




quero-te onça

a gemer à lua



faço-te pranto

a jorrar em flor



de teu ventre aberto

apenas escorra

o meu veneno

2.2.99




luz em pedra

refletida

seixo ao rio

deslavado



não tem sombras

o teu riso

não viram águas

os teus olhos



raio apenas

- não mais -

feres e foges

ao infinito

3.2.99




cobra coleias como

qebrantos quedos

em colchas de seda

suave a seiva

a escorrer perene

entre coxas

colunas semoventes

cadeias de seda

escorre o gozo

e no gozo matas

3.2.99




quanto te vi

a jiboiar ao sol

quanto te vi

a colear ao vento

quanto te vi

a espreitar a presa

quanto te vi




artimanhas sabidas

inúteis ao

beijo fatal

de quando te vi

3.2.99




não te alucina

o tempo que urge

apenas esculpes

o corpo que anseias



não te empobrecem

os anos corridos

apenas te desculpas

aos pobres mortais



bela: ao tempo

respondes com teu

veneno riso

3.2.99




corrompido o tempo

a deixar-te ao largo

serpenteias rio

cavalgas raio

amazona

guerreias ao vento

e deixas rastros

corpos frangalhos

rotos os rostos

na sala de ex-votos

3.2.99




predadora: do teu seio

mel e sonho

são sonhos de presa



garras os teus dedos

morte as tuas presas

gozos os teus montes

estrelas os teus olhos



com mel e sonho

vênus líquida e venial

vai-te a ti mesma

a consumir no gozo

todos os mortais

3.2.99





ver-te significa

não mais esquecer



transformas em posse

o olho que te contempla

desmembras os sonhos

em telas travadas

de computador

navegas na web

no seio um byte

no ventre um site

e entras à noite

vampira de luz



ver-te significa

perder a esperança

4.2.99





pelas ruas te

seguem os

olhos de

mil desejos



pelas ruas te

tornas os

enigmas de

mil esperas



pelas ruas me

matas os

tempos de

mil espasmos

9.2.99




na igreja o deus

à cruz atado

dobra em dor

as pernas frias



na cama as tuas

pernas em cruz

dobras em gozo

de louco amor



deus e deusa ambos

goza ele em loucos delírios

sofres tu em orgasmos de louca



redimem assim a humanidade

9.2.99





água e fogo

fogo e terra

terra e ar

ar e gozo



vitais em ti

todos os

elementos

9.2.99





de teu ventre escorre

os santos óleos

da extrema-unção

de todos os desejos



último encanto

morada celeste

teu ventre

apenas a campa

de todos os prepúcios

9.2.99





há um tesouro

escondido

na fé que move

teu monte de vênus



há no entanto

ao sopé

cruzes que marcam

quantos tentaram

o teu gozo colher

9.2.99





apenas mulher

julgas-te ser

apenas mulher

julgam-te todos



escondes entanto

no medo de teus meandros

a ordem final

o gozo fatal

9.2.99






calipígia vênus

milenar anseio

deformas o espanto

contornas o pranto

escondes no manto

esconsos segredos

mantras formas

cristais de marinhas águas

canais de estranhas mágoas

formas com formas

disformes farturas

compões o espaço

ondeias o traço

de famélicas danças

e fazes de ti

a forma a estética o desejo

perfeita

            mortal

                           total


9.2.99




FIM


6 de abr. de 2009

QUANDO O HOMEM SONHA (REFLEXÕES SOBRE A NATUREZA)






Um dia de chuva é tão belo
Quanto um dia de sol.
Mas dizer que são belos a chuva
Ou o sol faz parte somente de
Desejos do homem: não há
Na natureza o conceito de beleza.
A natureza é o que é,
Nada mais.
Só o homem subordina a sentimentos
O que, em estado natural, vida apenas exprime.
Vida que flui a vida na pedra solta
No meio do riacho, no musgo que imprime
O seu sulco no tronco da árvore, no pássaro
Que bica a pitanga já madura. Não tem
Filosofia a estrela que brilha.
Ódio não há
Na caçada do leão; nem vingança
Na arrebentação das ondas
Em noite de preamar.
É da natureza negar a possibilidade
De deuses e altares: ela apenas reflete
Seu próprio existir. Quando o homem sonha
Os sonhos que lhe aprazem, contraria
O reto caminhar das coisas que aí estão:
Segue a pedra sendo pedra e o pássaro,
Pássaro. No rio, as águas que correm
Não têm em seu correr
A vontade disso ou daquilo:
É da natureza do rio
Arremansar-se em lago nos tempos
De estio e arremessar-se
Em turbilhões nos tempos de cheia.
Louco, somente o homem com seus
Deuses tristes e no uso que faz
De forças que não domina. Por isso,
Encontra trevas em seu pensamento, enquanto,
À luz da Lua, reflete o lago
As mesmas águas do meio dia.
Da árvore colhe o homem
O fruto que mata a fome:
E não há no fruto
Nem sabedoria nem malefícios
Que levem ao conhecimento de deuses.
Na fonte que mata a sede
Não encontra o homem numa gota sequer
O desejo de mitigar ou curar.
Da natureza tira o homem
A força para continuar,
Sem que haja uma só manhã
Que traga algo mais que não a luz
De cada dia.
A natureza não é sábia
Nem tão bela quanto
Os deuses que o homem cria.
Apenas segue o seu curso.
Como, aliás, o próprio homem,
Se tanto.


Segunda-feira, 26 de agosto de 2002
Terça-feira, 27 de agosto de 2002
Quinta-feira, 17 de outubro de 2002

3 de abr. de 2009

QUANDO É SER IGUAL




(Raúl Villalba - winds)


Nada como ser mulato, cafuzo ou mameluco,

ser índio e indiano,

ter nas veias o sangue de japonês misturado ao alemão;

ter olhos azuis e pele negra;

ser negro, branco, amarelo ou cor de rosa.

Nada como ser branco de olho puxado

ou amarelo de olho redondo.

Não pertencer a nenhuma tribo

e ter no peito o som de todos os povos.

Não ser xiita, moabita ou judeu.

Não ter por que jogar bomba

em quem não seja como eu.

Ser tudo e ser todos.

Cara pálida em terra de viking,

usar cocar no Coliseu.

Aborígine na guarda real

das falsas majestades em todos os palácios

de Europa, França ou Bahia.

Não precisar erguer altares, nem templos,

nem catedrais nem sinagogas.

Dançar livre e solto ao som do vento

sem precisar levantar a bunda para um deus qualquer.

Nada como ser mulato em terra de branquelo

ou ser branquelo em Pequim ou Bombaim.

Não pertencer a nenhuma etnia e ter todas elas

rolando nas veias com meu sangue bem vermelho.

Não obedecer a príncipes, reis ou aiatolás,

não beijar a mão de papas, pastores ou rabinos,

todos eles inúteis na minha inocente ausência de fé.

Ser heterohomobitrissexual e amar a liberdade

de dizer desaforos nas fuças dos poderosos.

Ser catalão e beijar cada espanhol,

entrar de cabeça erguida em Israel,

mesmo sendo palestino.

Andar nu como índio no parlamento europeu,

usar gravata e paletó em terra de pigmeu,

colocar no pulso um relógio suíço

e esquecer as horas numa piroga

em pleno rio Amazonas. Ser caiçara e esquimó.

E, sobretudo, dançar livre e solto ao som do vento

em festas de casamentos de todas as raças,

andar por ruas e vielas e becos e praças

de cada taba, aldeia ou cidade

subir todas as montanhas e descer todos os vales,

caminhar sobre as areias de todas as praias e desertos

e encontrar em cada pegada do caminho

a mesma marca do mesmo pé do mesmo homem.

2 de abr. de 2009

os profetas

(A. não identificado)






Miragens do deserto do pensamento humano:

os deuses bailam no horizonte.

Fiel à aura de superpoderoso,

o deus dos cristãos baila uma salsa,

enquanto empurra Maomé e os profetas

para debaixo de sua saia.

Os demais, júpiter à frente, tentam, desesperados,

um lugar na mente entorpecida pelo calor,

derretida pelos ventos, do caminheiro do deserto.


O caminheiro do deserto, no entanto, ajoelha-se,

depois se curva até o solo, o sol nas nádegas,

o vento no ouvido, a boca seca,

e pragueja contra tantos deuses a competir

pela sua semiconsciência.


O pensamento vaga em sonho.

O deus cristão não se contém e chuta a bunda do peregrino.

Maomé imita cachorro sob o seu manto

enquanto morde a perna de um dos profetas.

A areia do deserto queima e absorve

a urina quente de jeová, enquanto alá treme

de ódio e dor, com a bunda queimada pela sol.


São miragens do pensamento humano,

são miragens no deserto do pensamento humano.


Deuses antigos e deuses novos, todos tronchos e loucos,

a ferver de angústia e dor nas trevas da inconsciência.

Pedem profetas, alguns profetas a mais, para salvar

do calor do deserto suas palavras ocas.

Mas, não há mais profetas, estão todos mortos,

mortos e enterrados no deserto, ainda que

também deserta, a consciência humana pragueje

contra tantos anos de escravidão.





28.2.2007