22 de jun. de 2011

novos poemas do cotidiano - 4

(Alfred Kubin)


Olho para fora de mim


Olho para fora de mim,
em busca do mundo
e só encontro a ti.
Em cada nuvem.
em cada folha,
em cada gota
de chuva,
em cada oceano,
ou no céu infinito,
tu estás como deusa pagã
inaugurando o sol,
abrilhantando estrelas,
esmaecendo a lua,
aquecendo os mares,
escalando horizontes...
tu, ó inconsútil deusa,
feiticeira do tempo
a tecer em minhas retinas
bordados loucos de vidas nuas,
tu, ó vaga espuma de mundos inalcançáveis,
a trazer-me ao peito
esperanças inúteis...

Olho para dentro de mim
em busca de mundos
que, louco, construí como refúgios
de minha alma atormentada
e só vejo a ti,
ó deusa maldita de meus sonhos loucos,
a roubar de mim toda a seiva
de possíveis vidas que não viverei...
e, louca, fazes de meu peito
o espanto mudo de protestos inúteis,
tu, só tu, carnívora planta
a deglutir
em lentas doses
o coração que bate apenas
quando te vê...
tu, inverossímil deusa,
tu, mil vezes maldita,
tu, mãe de todas as eras,
tu, irmã da dor e do espanto,
cortesã de todos os repastos,
virgem de todos os altares,
tu, mil vezes bendita!

20.6.97

Nenhum comentário:

Postar um comentário