21 de ago. de 2015

uma gota de sangue



(Botero)



eles estão lá, quietos, em suas tumbas
as mãos cruzadas sobre o peito,
flores murchas ao pé do caixão
mudos e quietos, quietos e mudos;

eu disse quietos? quem dera!
eles estão lá à espera
de que um vivo dê um safanão
num travesti; de que um policial
atire num negro e diga para a família
que ele atirou primeiro; de que um eleitor
desavisado mostre que não é de direita
e leve uma surra;
de que uma garota mais descolada
saia à rua com saia curta
e seja chamada de puta;
de que um apresentador de televisão
diga ao vivo e em cores que bandido
bom é bandido morto;
de que um deputado sem noção
queira prender menor delinquente
para que se encham as cadeias;
de que um moleque idiota convoque
a marcha dos fascista contra tudo
e contra todos para que alguns encapuzados
botem fogo na cidade; de que o pastor
recolha o dízimo e faça um falso milagre
para que toda a mídia diga que chegou
o dia do juízo final; de que o papa
pregue que pedofilia tem que ser combatida
e jogue para debaixo do tapete
do Vaticano toda a porqueirada...

mas principalmente eles estão lá
à espera de uma gota de sangue,
uma só gota de sangue para que
possam abrir a boca e bater as dentaduras,
erguer os braços e soltar o grito preso
heil hitler, heil hitler, heil hitler
e soltar enfim seu bafo sobre nós,
seu bafo podre de negras tragédias;

sim, eles estão lá, em todos os cemitérios
de todas as cidades, mas na verdade
não estão quietos nem mudos nem
mortos
esperam apenas que um de nós
apenas um
derrame
a gota
de sangue
a go
ta
go
ta
a
g
o
t
a
.
.
.


25.7.2015



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