4 de fev. de 2018

O poeta e o camponês






Faz exatos 55 anos. Tinha 17 anos e frequentava o Cine Brasil, em Lavras, MG. O cinema era uma das poucas atrações para nós, naqueles anos sessenta. O cinema, há pouco tempo inaugurado, não era luxuoso, mas dava-nos um conforto que o velho cine Ipê já não apresentava: piso inclinado, poltronas macias, tela cinemascope, som perfeito. Logo após a protofonia de O Guarani anunciar que a sessão começaria, costumava-se apresentar algo como imagens aleatórias acompanhadas de um trecho de música clássica. Nossa preferida – minha e de meu saudoso amigo Augusto – era O Poeta e o Camponês, de Von Suppé. Isso foi há exatos 55 anos. Nunca, nunca mais ouvi essa música. E então, hoje, uma manhã de abril de 2017, ouvindo o rádio, a Cultura FM presenteia-me com essa peça musical, a abertura de O Poeta e o Camponês, de Von Suppé. O adulto de 72 anos despareceu num átimo, para ceder lugar ao jovem de 17, sentado numa poltrona do cine Brasil, nas Lavras de 55 anos atrás, ao lado de um amigo querido que já se foi e se foi quando ainda tinha muita vida para viver, e esse adulto recordou cada compasso de uma música perdida nos escaninhos da memória. Sim, nossa memória prega-nos essas deliciosas e imprevisíveis peças: quando imaginamos que um momento especial de vida, apenas um traço ou um ponto na linha do tempo, está perdido, bastam algumas palavras – o nome e o autor – e alguns compassos para que o passado remoto se torne palpável como a parede branca onde projeto, como uma tela de cinemascope, as imagens recuperadas, vividamente recuperadas, embaçadas embora por uma lágrima de saudade.




29.4.2017


(Ilustração: William Sidney Mount. Dancing on the Barn Floor, 1831)

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