10 de set. de 2019

refugiados




já passei e tenho passado por muitos perrengues

mas nunca fui expulso da minha casa

perdi livros e perdi sonhos e desejos

mas nunca fui expulso da minha casa

deixei para trás as árvores da minha infância

deixei para trás as ruas tortas da minha cidade

mas nunca fui expulso da minha casa

perdi irmãos de sangue e irmãos de escolha

perdi minha mãe e perdi muitos afetos

mas nunca fui expulso da minha casa

velhas mangueiras e montanhas azuis

ficaram no passado e risos e abraços

congelaram no meu tempo de vida

mas nunca fui expulso da minha casa

se choro lembranças e pessoas que um dia

povoaram os caminhos de meus pés descalços

se lamento paredes que ruíram

frutos que apodreceram no pé

cantos de pássaros em dias de chuva

se me enrosco todo de saudade de fogões a lenha

do canto de minha mãe e de cobertas quentes

dos passos que soavam tristes nas noites frias

se ainda enevoam meus olhos essas lembranças

não tenho no entanto a dor profunda do abismo

a dor profunda da solidão e do desalento

pois nunca fui expulso da minha casa 





2.9.2019


(Ilustração: escultura de Brant - a nau dos insensatos, 

Nuremberg - Bavaria)



(Você pode ouvir este neste podcast:

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