já passei e tenho passado por muitos perrengues
mas nunca fui expulso da minha casa
perdi livros e perdi sonhos e desejos
mas nunca fui expulso da minha casa
deixei para trás as árvores da minha infância
deixei para trás as ruas tortas da minha cidade
mas nunca fui expulso da minha casa
perdi irmãos de sangue e irmãos de escolha
perdi minha mãe e perdi muitos afetos
mas nunca fui expulso da minha casa
velhas mangueiras e montanhas azuis
ficaram no passado e risos e abraços
congelaram no meu tempo de vida
mas nunca fui expulso da minha casa
se choro lembranças e pessoas que um dia
povoaram os caminhos de meus pés descalços
se lamento paredes que ruíram
frutos que apodreceram no pé
cantos de pássaros em dias de chuva
se me enrosco todo de saudade de fogões a lenha
do canto de minha mãe e de cobertas quentes
dos passos que soavam tristes nas noites frias
se ainda enevoam meus olhos essas lembranças
não tenho no entanto a dor profunda do abismo
a dor profunda da solidão e do desalento
pois nunca fui expulso da minha casa
2.9.2019
(Ilustração: escultura de Brant - a nau dos insensatos,
Nuremberg - Bavaria)
(Você pode ouvir este neste podcast:
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