27 de fev. de 2020

canção mineira



escondida no fundo da mina

pranteia a liberdade só ainda encontrada

na dobra do manto do santo barroco

de uma igreja em ruína

nunca foi de mão beijada

que por um pouco de fé desse o troco

toda essa parentada escravizada

em paga da liberdade

lá nas minas o coração da terra

o mineiro como um santo desterra

sem perdão para o santo da mantiqueira

transporta no lombo a serra

deixa como buraco o olho gordo da freira

sombreia o manto do santo com bordados

de ouro sujo e dente podre

ri-se o pobre

canta o nobre

na boca o som da bateia e do cobre

bocas de minas

bocas de ruínas

pranteia a liberdade a sua sina

santo barroco tem manto dourado

pobre mineiro tem santo dobrado

mete a picareta no veio velho

encontra bauxita e bendiz o relho

canta o padre na procissão do santo morto

reza a beata na beira do rio

sopra a morte o barco ao porto

o negro escapulido e fugidio

come e bebe oferendas na encruzilhada

traz a chuva uma nova tromba d’água

dá pra ver a mina toda inundada

não dá pra sentir dos mortos toda a mágoa

pranteia ainda a liberdade

esquecida entidade

lá no fundo de tantas minas de tantas sinas

de falso ouro que borda o manto de tanto santo

das igrejas de taipa e pau – de minas –

hoje apenas tristíssimas ruínas





12.2.2020




(Ilustração: Van de Velden, after Johann Baptist von Spix (1781-1826) - Dança dos Puris)



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