os braços lassos descaem ao longo do corpo
sem os abraços
a boca de desejos atrás das cortinas se retraem
pelos não beijos
a esperança morre em cada morte – em cada
criança
a morte esperneia em cada adeus – em cada
sorte
fecham-se túmulos sem flores e sem choro
o vento carrega a lágrima seca nos olhos baços
sem beijos e sem abraços
murcha o desejo e não canta o cordão de carnaval
você pensa – vai passar – vai passar – vai passar
mas volta o vírus à revolta dos que o renegam
morre o pai
morre a mãe
morrem o avô e a avó
os lamentos sobem morros e morrem no mar
o piano no sótão cobre-se da poeira do tempo
no chão de pedra não nascem flores
e os espinhos perfuram os corações solitários
você pensa – vai acabar – vai acabar – vai acabar
mas volta o vômito podre dos defuntos no frigorífico
e o chão de vidro tem marcas de rostos que não sorriem
criança – não verás país nenhum como este
e o arremedo de paixão contraria todos os prognósticos
sabe-se apenas que há vultos brancos em estertores
sabe-se apenas que há pulmões implodindo nos balões vazios
sabe-se apenas que há silêncios que nunca entenderemos
morre-se aqui
morre-se ali
morre o fulano e a menina ainda virgem
morre o cientista e morre o motorista
morre a mulher do chefe e até mesmo o chefe da estação
respira – alguém diz – respira
o giroflex gira e leva o anão do bairro
e leva o banqueiro – todos se congraçam agora
no mesmo desejo de ar e de vida
há o cheiro de uma guerra que se perdeu há um século
e há o tubo de ensaio no laboratório
mas não há juízo para quem quer abraços e beijos
e os braços que eram lassos apertam corpos
e o vírus muda seus espinhos e caminha pelos paços
e caminha pelas travessas
e entra pelas casas
derruba fronteiras e entranha-se nas entranhas
das aeronaves e dos salões de baile
o churrasco de domingo queima o novo tempero
a festa de aniversário tem confetes invisíveis
e a dança macabra tem trejeitos de espantalhos
quem morre não descansa – apenas morre
quem vive não se emenda – apenas vive
porque não se crê naquilo que não se vê
21.1.2021
(Ilustração: Monika Meglić - danse macabre)
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