nada há nada além da neblina no horizonte de meus olhos
nem arco-íris nem pétalas de flores
os caminhos são brancos como é branca a minha imaginação
que os deuses do comércio e da fabricação de metais
pesados
deslizaram por sob a mesa de negociações e a boiada
passou incólume
os chifres todos puídos de mercúrio
o leite rançoso para a manteiga podre da mesa dos
incautos
sob a neblina de meus olhos vesgos o vaticínio de rostos
encaveirados
a caminhar a esmo pelos pântanos podres do mercúrio e da
lama de uísque
os passos dos antepassados afundados para sempre no rio
doente
e o kuarup agora se arrasta sob os tapetes de pele de
troncos humanos
pisa no umbigo do cacique o cacique louco que se diz
profeta
nada há nada além de neblina no horizonte de meus
estranhamentos
o grito inútil do baobá de além-mar não encontra eco na
floresta do aquém-mar
porque o pau-brasil tombou enfim sobre a taba sagrada
não há mais cânticos nem danças
não há mais lutas nem esperanças
o rito fúnebre do rio morto que leva lama e morre no paul
não passa pelos corações engravatados
porque nunca bateu um só coração embaixo de uma só
gravata
doces eram os cantos do piaga quando anoitecia na
floresta
agora apenas um poema sem letra na letra morta dos livros
antigos
a neblina da floresta não cobre o choro de meu coração
nem transborda para os rios alados a sua antiga devoção
de norte a sul há apenas a neblina que não molha o chão
onde pisa o caboclo e de leste a oeste há apenas a neblina que não altera a rima
do jacaré com qualquer possibilidade de fé no renascimento de rios que agora se
afogam a si mesmos no meio do fogo e da ganância nem dá asas ao tuiuiú que voa
em círculos sem ter onde pousar
de espanto em espanto o mercúrio desce ao fundo dos rios
e amolece as vísceras dos peixes e só o que se ouve na cidade é o canto triste
das luzes negras dos carros fúnebres cortando a neblina e espantando os urubus que
sobrevoam os parques de cruzes e montículos anônimos
não há mais neblina nos meus olhos
porque o sol dourado que sai das forjas para as gargantas
das madames
espantou para sempre a neblina e deixou somente a semente
do fruto negro do desespero que não tem mais horizontes
para contemplar
nem arco-íris para comemorar
9.4.2021
(Ilustração: Henrique Alvim Correa)