21 de jun. de 2022

no sábado à noite

 




no sábado à noite o mendigo toca a campainha

e pede um pano para aquecer o sono



no sábado à noite a música que toca no rádio

não adormece o poeta saudoso da lua na montanha



no sábado à noite há poeira de estrelas

no caminho do bêbado de volta ao lar



no sábado à noite o vento que sopra do mar

traz a chuva torrencial para o planalto de piratininga



no sábado à noite há medo de morrer

no hospital de campanha no centro da cidade



no sábado à noite há planetas enlouquecidos

fugindo do buraco negro no fundo da via láctea



no sábado à noite a marcha fúnebre de mahler

alegra os corações das prostitutas da praça da república



no sábado à noite há comoções na telinha da televisão

quando o bandido da novela tenta matar o protagonista



no sábado à noite a menina menstrua pela primeira vez

enquanto a mãe deita e rola na cama de diamantes do seu homem



no sábado à noite ouvem-se canções de grilos selvagens

fugindo da mata atlântica que está pegando fogo



no sábado à noite o índio solitário canta uma canção

na taba sagrada de seus antepassados assassinados



no sábado à noite eu peço apenas um beijo arredondado

para salvar a semana que só trouxe notícias ruins



no sábado à noite ninguém se mata porque ainda é sábado

e o domingo promete sol e praia e churrasco malpassado




17.4.2021

(Ilustração: Francisco de Goya - woman with her clothes blowing in th wind)


(Ouça este poema, na voz do autor, no seguinte link de podcast:


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