15 de jun. de 2022

neblinas

 



 

nada há nada além da neblina no horizonte de meus olhos

nem arco-íris nem pétalas de flores

os caminhos são brancos como é branca a minha imaginação

que os deuses do comércio e da fabricação de metais pesados

deslizaram por sob a mesa de negociações e a boiada passou incólume

os chifres todos puídos de mercúrio

o leite rançoso para a manteiga podre da mesa dos incautos

 

sob a neblina de meus olhos vesgos o vaticínio de rostos encaveirados

a caminhar a esmo pelos pântanos podres do mercúrio e da lama de uísque

os passos dos antepassados afundados para sempre no rio doente

e o kuarup agora se arrasta sob os tapetes de pele de troncos humanos

pisa no umbigo do cacique o cacique louco que se diz profeta

 

nada há nada além de neblina no horizonte de meus estranhamentos

o grito inútil do baobá de além-mar não encontra eco na floresta do aquém-mar

porque o pau-brasil tombou enfim sobre a taba sagrada

não há mais cânticos nem danças

não há mais lutas nem esperanças

o rito fúnebre do rio morto que leva lama e morre no paul

não passa pelos corações engravatados

porque nunca bateu um só coração embaixo de uma só gravata

 

doces eram os cantos do piaga quando anoitecia na floresta

agora apenas um poema sem letra na letra morta dos livros antigos

 

a neblina da floresta não cobre o choro de meu coração

nem transborda para os rios alados a sua antiga devoção

 

de norte a sul há apenas a neblina que não molha o chão onde pisa o caboclo e de leste a oeste há apenas a neblina que não altera a rima do jacaré com qualquer possibilidade de fé no renascimento de rios que agora se afogam a si mesmos no meio do fogo e da ganância nem dá asas ao tuiuiú que voa em círculos sem ter onde pousar

 

de espanto em espanto o mercúrio desce ao fundo dos rios e amolece as vísceras dos peixes e só o que se ouve na cidade é o canto triste das luzes negras dos carros fúnebres cortando a neblina e espantando os urubus que sobrevoam os parques de cruzes e montículos anônimos

 

não há mais neblina nos meus olhos

porque o sol dourado que sai das forjas para as gargantas das madames

espantou para sempre a neblina e deixou somente a semente

do fruto negro do desespero que não tem mais horizontes para contemplar

nem arco-íris para comemorar

 

 

9.4.2021


(Ilustração: Henrique Alvim Correa) 

 

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