Lua de mel em Poços de Caldas. Hotel de luxo. Piscina, sauna, comida farta. E as noites de amor com o homem amado. Esqueceu tudo, a roça, os trabalhos forçados desde menina, a morte dos pais, os primeiros anos na capital, a vida na rua, o patrão que pagava atrasado e abusava em dia, o estudo à noite, a primeira quitinete, o primeiro emprego decente, os trinta e dois anos recém-completados. Sentiu-se jovem, sentiu-se bela. E orgulhosa, muito orgulhosa, quando voltaram e ocuparam o apartamento de dois quartos, sala e cozinha, numa rua não muito tranquila do Bixiga, quase no centro. Na primeira manhã, acordou, fez o café para o homem que ainda dormia e esperou. Ele não levou mais de quarenta minutos para levantar, tomar banho, arrumar-se, provar e elogiar o café, beijá-la e sair. Mas pareceram uma eternidade aqueles quarenta minutos. Fez das tripas coração, para não dar bandeira, não deixar que ele percebesse a ansiedade, os lábios úmidos, as mãos trêmulas ao fechar a porta. Enfim, só. Ia poder completar o sonho. O coração batia, apressado, no peito, sob o vestido leve. Encostou-se um pouco na porta, para acalmá-lo, olhou em volta, as malas ainda desfeitas pela sala, as cortinas ainda fechadas. Esperou. Tinha de ter certeza de que o marido não voltaria para buscar um documento esquecido, uma chave. A eternidade demora quinze minutos, mas passa. E a felicidade fica ali, ao alcance da mão. Rapidamente, deu um jeito na meia bagunça da sala e atirou-se ao sofá. Pegou o controle remoto debaixo da almofada e o brilho da televisão inundou sua vida. Às cinco horas, pensou ela, preciso começar a fazer o jantar. E mergulhou no sonho de viver muitas vidas, todas as vidas que passassem ali, na tela brilhante da televisão, pois ela sabia, agora, depois de tanto que viveu e sofreu, que seriam suas essas vidas, somente suas e... para sempre.
Janeiro/2005
(Ilustração: Robert Tracy - girl watching tv)
(Você pode ouvir esse conto, na voz do autor, no seguinte link para o podcast: