meu irmão cosia panos
para homens tronchos
que andavam nus
na cidade fálica de três pontas
e na cidade vagínica de varginha
- isso lá nos idos de minas das minas gerais
meu irmão era espírita
de carteirinha e de centro de recebimento
dos espíritos perdidos nas duas cidades
citadas acima
meu irmão sofreu um avc e nenhum espírito
[nos espíritos ele tinha fé de que curavam
mazelas do corpo e do espírito – por mais estranho
que fosse toda essa crença – pelo menos para mim]
nenhum espírito – de gente ou de porco – curou
a manquitolagem da perna com que ele ficou
mas meu irmão – que cosia ternos e era espírita –
era um bom sujeito – fazia caridade e sempre que podia
[- ele sempre podia -] distribuía uma palavra de consolo
a quem quer que ao centro espírita acorria
atrás de alento para as mazelas da vida
eu no entanto não coso panos
coso palavras – e mal as alinhavo
pensando fazer poesia
nem sou crente de espíritos
nem sou crente de deuses
cirzo e recirzo os meus versos
nos panos brancos de telas e entretelas
alguns versos são ternos
[não os ternos de meu irmão]
e pretendendo sejam eternos
tornam-se apenas espíritos de porco
a cutucar algum leitor distraído
que ande nu pelas ruas
não das cidades vagínicas e fálicas de minas
mas da cidade de nome de santo
que se santifica nas águas de um rio podre
- o jordão das mágoas das entranhas estranhas
de poetas que sonham sobolos rios babilônicos
por favelas nunca dantes e nunca jamais
irrigadas de bem quereres
perdidas em seus manguezais
- e eu nem sei se sou mesmo esse poeta
que penso ser
e invejo os ternos todos cosidos por meu irmão
que caminha hoje por entre seus amados espíritos
e não vem nunca me dar uma palavra de consolo
ou uma mãozinha quando tento
pregar um maldito botão numa camisa
23.10.2023
(Ilustração: meu irmão Samuel e sua filha Fátima
com minha mãe e uma de minhas filhas; fot de família)
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