dou-me conta de mim
quando do cérebro à mão
nasce um poema
dou-me conta de mim
quando o sonho de sinapses
vira palavras que você lê
e você [que não conheço
e talvez jamais venha a conhecer]
se dá conta de mim
ao ler o que escrevi
no delírio da noite sem fim
e isso se chama comunhão
e isso se chama comunicação
algo que o mistério da vida oculta
como a semente que se espalha na terra
e brota um dia de seu âmago
o forte abacateiro
cujo tronco se abre
para galhos e folhas e frutos
que irão alimentar depois
o pássaro arredio chamado felicidade
e você [que me lê e não me conhecia]
tem a breve ilusão de haver encontrado
entre mim e você
entre você e mim
nessa teia absurda
de palavras obtusas
o sentido todo da vida
o mistério enfim
do enlace impossível
entre dois seres humanos
e só então posso dizer
que finalmente
me dou conta de mim
24.2.2024
(Ilustração: Kurt Schwitters, 1939)
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