7 de fev. de 2025
eu poeta solitário
4 de fev. de 2025
Eternidade
1 de fev. de 2025
espanto de viver
o espanto de viver se encerra
a sete palmos embaixo da terra
– depois não há – só lembrança
na mente de quem cultiva esperança
o pó do tempo cobre nomes e sobrenomes
– ficam palavras que não foram ditas
como verdades que são escritas
não no granito mas nas pedras-pomes
e a vida que era uma grande festa
– hoje lagarta e logo depois borboleta –
voa seu derradeiro voo sobre o mar e pela floresta
antes de espantar-se sob uma pedra preta
[ou ser sobre a tumba o vestígio de um nome – uma só letra]
30 de jan. de 2025
dois destinos
ao aguar no jardim as suas flores
deságua o jardineiro as suas dores
ao despejar um verso apenas na página branca
o poeta o seu ser mais profundo destranca
as flores – leva-as o vento um dia
o ser do poeta permanece na poesia
assim jardineiro e poeta cruzam um com o outro seu
destino
o jardineiro – talvez feliz com o tal vento repentino
já o poeta – à poesia tem para sempre enlaçado o seu
destino
25.11.2024
(Ilustração: Claude Monet - nenúfares)
26 de jan. de 2025
mandacaru
verde que te quero forte
estrela em gomos de espinhosa flor delicada e branca
em contraste
ao verde que resiste
à chuva e ao sol
ao vento e ao mormaço da tarde
e ao sereno da noite
raízes no barranco
cerca viva que não cerca a morte
lenta a tua vida verde
lento o teu despertar
ao sol e à chuva
ao vento não vergas
branca e bela
tua flor cor de lua
brilha mais que a lua cheia
o teu verde verdeja o vento
que passa e sibila pela noite
no ar o perfume flutua
depois de morta pétala a pétala
tua flor já murcha pela manhã
morre a flor – tua vida continua
como sempre teu verde seco
como sempre tua altivez
ao sol e à chuva tu resistes
meu belo mandacaru
resistes tanto que eu quero
e só o que mais espero
ser um dia como tu
23 de jan. de 2025
doce de leite
numa tarde nem fria nem quente
de pleno outono talvez
[mas pode ser tarde de verão
ou de qualquer outra estação]
nada penso que me apoquente
e quero apenas a levez
de algo que na minha língua se ajeite
como um gato num cesto de linho
como os dedos numa viola de pinho
o sabor mineiro do doce de leite
20 de jan. de 2025
desalento arretado
num susto de fim de tarde
numa lembrança maldita durante a noite
num abrir e fechar de olhos para a merda
vem
um surto
uma fossa
um desespero
o fundo do poço
aquele nó na garganta
aquele choro que não chega
o aperto no peito
um desalento arretado
e a vontade de jogar tudo para o alto
para subir de novo à superfície
para de novo a mente voltar ao normal
para a paranoia ir pra o raio que a parta
nada melhor do que ouvir um som no último volume
um tango argentino
um samba bem rasgado
um rock sem limites
um xaxado arrenegado
ou então
um clipe de johnny hooker
17 de jan. de 2025
consciência
meus ídolos já morreram,
estão velhos ou estão morrendo
e isso bate direto no peito
porque percebo que não tem jeito:
- eu estou encanecendo!
caminho pelo quintal lentamente
para não tropeçar no gato que enreda entre minhas pernas:
não posso – a essa altura da vida – levar um tombo
[e todo e qualquer velho sabe por quê]
e é isso o que me aborrece – pensar antes de dar um passo
pensar antes de fazer qualquer besteira
muitos amigos da minha idade
estão morrendo
e isso mexe com meus instintos
e mexe com minha sanidade
- eu estou envelhecendo!
leio muito – leio de tudo
para manter a mente funcionando
e quando escrevo os meus textos
eu às vezes percebo que algumas palavras
que eu quero usar
demoram mais para chegar à memória
ou tenho que usar artifícios para encontrá-las
morrer é contingência da vida
só não é o susto que me dá o pensar na morte
se tive assim alguma sorte
de sobreviver ao tempo e ganhar sobrevida
tenho que cuidar do agora
e sonhar com o tempo que me resta
de tal forma que não vá antes
do que eu quero seja a minha hora
e deixar de alimentar qualquer ideia mais funesta
7.4.2024
(Ilustração: Gustave Caillebotte)
12 de jan. de 2025
concerto para flauta e orquestra
lavra o lábio à flauta em busca do som
e o vento que vem do âmago do músico
cria o alento do voo mágico
- o sonho se faz som
e o som sonha o suave pranto da lua
- a sala de concerto torna-se plenitude do espanto
ao voo elegante de sons de vento
mirificadamente enevolados em sons de sonhos
sonhos de vagas vidas veladas vagando
em busca da esperança que dança nas tranças bem trançadas
de destinos improváveis
ao som da flauta que os lábios assopram
a sombra da paz perpassa pelos anseios vívidos
de vidas que pulsam e flauteiam à sombra do vento
no silêncio da orquestra – o suspense de futuros
no suspense da plateia – o espanto do arrepio
quando tremem os lábios do flautista
à nota agudíssima que finaliza o concerto
– freme a plateia ao aplauso que desperta
para que o sonho do vento se concretize
– há esperança na noite em cada janela que se apaga
[plagio mais um poeta: o homem sonha a poesia nasce]
11 de jan. de 2025
alteridade
quero às vezes contemplar um lago sereno
quero às vezes navegar por um rio caudaloso
quero às vezes perder-me numa floresta tropical
quero às vezes flanar pelas ruas da grande cidade
isso é minha alma peregrina dentro de mim
(eu que não acredito em alma)
a pedir que me aventure por lugares que não conheço
a pedir que saia de minha casca de ovo – a minha casa –
e me liberte de mim mesmo pelos ares do tempo
pelos ares das estrelas ou pelos caminhos das montanhas etéreas
e me perca de vez nos escaninhos de um planeta inabitado
mesmo que esse planeta esteja girando a milhões de anos luz
mas vivo dentro de uma bola de gude e sou apenas
aquele que olha o tempo e sabe que ele só me faz sofrer
8 de jan. de 2025
ailurofilia
encontrei afinal um amigo
que me fez mais humano
nunca briga comigo
mas não passa pano
nas bobagens que faço
quando tudo parece perdido
aperto-o num gostoso abraço
que é tudo que mais tenho querido
desse silencioso amigo
a quem sou muito grato
porque me fez pensar diferente
e respeitar cada ser vivente
esse amigo de fino trato
em silêncio – grande pensador
que nunca podia supor
e agora reafirmo este fato
– que encontrei muito amor
nos olhos claros de meu gato
5 de jan. de 2025
águas que sobem
quando as águas sobem
levam tudo que os pobres não têm
será que um dia
as águas vão subir
e bater na bunda dos ricos
quando as águas subirem
e baterem na bunda dos ricos
e levarem uma pequena parte
daquilo que os ricos têm
o que será que os ricos vão fazer
quando as águas sobem e levam
tudo aquilo que os pobres têm
o que fazem os pobres
depois de sentar e chorar
todos nós sabemos
depois que as águas baixam
deixando ainda mais pobres os pobres
de quem elas – as águas – levaram tudo
os pobres fazem mutirões
recolhem donativos
reconstroem suas pobres casas
reconstroem seus pobres barracos
e esperam a próxima cheia
[não têm os pobres outra opção]
e os ricos – o que fazem os ricos
quando sentem que as águas
subiram e bateram em suas bundas
levando parte – pequena parte –
de tudo quanto possuíam
[coisa que – convenhamos –
é muito difícil de acontecer]
ah os ricos! – os ricos tiram
seus traseiros gordos
das cadeiras de chefe
das poltronas de veludo
pegam seus iates gordos
navegam pelas águas gordas
com sorrisos de escárnio
bebericam uísque doze anos
dançam
festejam
e pescam dourados engordados
pelos restos que vieram
das cheias de todos os pobres
[não têm os ricos outra opção]