que bate as asas por universos desconhecidos
e tece no espaço o desejo ansiado
de que encontre um dia os enredos entretecidos
nos meandros de minhas sinapses partidas
- não me importa que não leiam o que escrevo
meus versos são pães enegrecidos
queimados em fornos ultra aquecidos
depois de amassados e acrescidos do levedo
que flui de miasmas de minha mente
importa apenas que os imagine e crie
como biscoitos que se dissolvem na terra
e não que cada um deles inicie
dentro de mim a derradeira guerra
sou um deus decaído no mais profundo
de todos os infernos já imaginados
corro morro abaixo como cão imundo
que não se livra das sarnas do mundo
nem das feridas das estradas
gemendo e ladrando a cada espinho
que rasga minhas carnes insufladas
de ausências de paz e de carinho
vejo nas telas toda a minha vida
mas não encontro dentro de mim mesmo
qualquer expressão comovida
que não jogue comigo um jogo a esmo
tudo quanto penso me deixa cada vez mais perdido
como se tivesse sido sempre este velho fodido
[como se o que sempre fui fosse este velho fodido]
22.12.2024
(Ilustração: Charles Mellin - caritas romana, c.1628)