13 de jul. de 2025

assim componho meus poemas

 




porque não sei música componho poemas

mas não escrevo poemas como quem compõe sinfonias ou qualquer outro gênero musical

apenas disponho palavras umas ao lado das outras

e às vezes elas soam aos meus ouvidos como poemas

e às vezes elas soam aos meus ouvidos como canções ou sinfonias

embora possam não fazer muito sentido quando lidas assim sem qualquer cuidado



meus poemas também não podem ser chamados de biscoitos finos

que nem no forno de meu cérebro ficam por muito tempo

para terem duplo cozimento

aliás nem os cozo – apenas os coso

tendo por linha um fio de memória

e por agulha as palavras que furam o branco da tela de computador

que nem sempre é branca e nem sempre uso o computador



não importa

o que importa é que eles – os poemas – muitas vezes trazem em suas entrelinhas

aquilo que está preso na minha garganta

o grito de angústia de meu tempo e o grito de angústia de todos os poetas



não há sofrimento nesse grito

apenas a constatação de que é preciso gritar

porque mais que canções ou palavras dispostas numa página qualquer

o grito do poeta precisa sair pelos ares poluídos

ainda que não seja ouvido

ainda que não seja seguido



acredito que a humanidade não consegue viver sem esse grito rouco

sem esse grito louco

que salta pelos muros e rompe as cercas para dizer

que somos nós os seres humanos que fazemos nosso destino

que construímos nossos caminhos somente quando caminhamos

e gritamos

e o grito sempre precede nossos passos

para avisar aos canalhas todos do mundo que não nos entregamos

que estamos vivos e de olhos bem abertos

para gritar e caminhar sobre as sombras de suas canalhices

e para isso é que compomos poemas nas páginas brancas

e muitos outros compõem protestos tortos nas linhas retas dos pentagramas



que não ouçam ou que não leiam

nossos poemas e nossas canções

não importa

eles sabem que existimos e isso só já é suficiente para nosso grito



1.10.2021


(Ilustração: Henri Félix Philippoteaux - Lamartine in front of the Town Hall of Paris rejects the red flag; 25.2.1848)




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