31 de jul. de 2025

borrão


 


esta tarde llueve, llueve mucho. ¡y no

tengo ganas de vivir, corazón!

césar vallejo

nuvens pretas um borrão na minha tarde

o meu peito cheio de ti transborda

sofro todo o necessário para que a chuva

lave um pouco do barro que escorre

pelas ladeiras de meus desencantados arroubos

mas é inútil qualquer tentativa de alívio



vou pela tarde o caminho breve que escorrega

para o centro de tudo quanto queria ser

meu coração aos farrapos em transe sob a chuva

ao meu caminhar sem rumo

negaceia-me a solidão úmida de lágrimas por ti

as mesmas lágrimas que derramam nuvens pretas



eu o acossado de tantas esperanças e desesperanças

busco em vão algum alento dentro dos pingos que caem

são o fel que me queima por dentro

ainda que gelado esteja o peito que pulsa em vão



borrões de saudade

borrões de ansiedade

borrões de ausência



são o meu alimento nesta tarde que não acaba nunca

nesta tarde em que pranteio o amor defunto que arrasto

pela enxurrada afora como um barco de papel

que se dissolverá e sumirá ladeira abaixo

mas deixará como um borrão de nuvens pretas

as palavras que nele estão escritas

para sempre tatuadas em cada centímetro de minha pele:

“sou teu degredo. não me procures mais”



12.2.2024

(Ilustração: Vincent van Gogh - Auvers sous la pluie)

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