7 de set. de 2009

poemas da guerra - 8


8. 

uma cidade



dos longes idos de minha infância em transe recordo

um maço vazio de cigarros num canto de rua:

minaretes e torres traziam oásis de sonho

de uma cidade encantada,

ah! ali onde

aladim e o mágico da lâmpada se estranham

em escuras cavernas escondidas na rocha,

bem ali, onde,

contra as nuvens um tapete arremete,

e esquece sherazade sua última história,

sim, ali, cidade encantada, onde,

no ar, sibila uma adaga,

no templo, um canto se alonga,

na feira, entre gritos e véus o espanto

de dois olhos de safira refletem

outra safira a brilhar,

na esquina furtiva, um beijo deixa-se roubar,

no palácio encantado, entrega-se uma virgem a chorar,

eunucos felizes no harém a vigiar,

e do canto da rua inocente

um maço de cigarros de marca

Bagdá,

um maço vazio de cigarros de marca

Bagdá,

enchem de sonhos os meus olhos

de Bagdá,

e chora mansinho meu coração

de Bagdá,

quando em silêncio da televisão

de Bagdá

o primeiro míssil detona atrás do minarete

do maço vazio de cigarros da marca

Bagdá.






6 de set. de 2009

poemas da guerra - 7

7. 

nem sempre vencer é ganhar



cristão-novo sob o sol de Maomé,

chora de joelhos o teu inimigo,

oh! america de todas as armas!


desenha na areia a tez de teu inimigo

angústias e ranhuras de balas,

oh! america de todas as certezas!


dobra o orgulho no aço retorcido

de suas casas e palácios o inimigo teu,

oh! america de todos os trovões!


de joelhos na areia ou dobrado em meio aos escombros,

o corpo verga e concorda,

os olhos choram e temem,

as mãos tremem e pedem,

os pés estacam e enrijecem,

diante de ti, oh! america de todos os pavores!


mas (e há sempre essa dobra no ar pesado!)

não se ajoelham,

não se vergam,

não temem nem tremem,

não pedem nem estacam,

diante de ti, oh! america de todas as esutpidezes,

apenas enrijecem

as livres mentes de teus prisioneiros.



(Delacroix)

5 de set. de 2009

poemas da guerra - 6

6. 

mísseis



quanto custa um míssil,

mister Bush?

quando vale o seu míssil,

mister Bush?

qual o poder de seu míssil,

mister Bush?

quantos mísseis você tem,

mister Bush?


você pode, sim, mister Bush,

dizer a todos

quanto custa o seu míssil, mister Bush,

você pode, sim,

dizer a todos

qual o poder de seu míssil, mister Bush,

você pode dizer, sim,

quanto vale o seu míssil de estimação, mister Bush,

e você pode gritar a cada canto

quantos mísseis você tem, mister Bush...


você pode tudo, mister Bush,

só não pode me dizer e não pode dizer a ninguém

quantas viúvas,

quantos órfãos,

quantos desesperados

pode fazer um só,

só um,

um único de seus mísseis,

mister Bush!



(Picasso - Guernica)

4 de set. de 2009

poemas da guerra - 5


5. 

quando



quando a américa recebe

os sacos negros com os corpos

de seus heróis...


quando a américa chora

por sobre os sacos negros com os corpos

de seus heróis...


quando a américa desespera

a morte negra em casulos despejados

de container de navios...


quando, ah! quando a américa chora,

turvam-se seus olhos

para a viúva que ficou além-mar,

para a mãe que não tem mais o que chorar,

para o irmão sem rumo em busca de outro irmão,

para o pai que enterra mais um filho...


enquanto a américa chora,

quantas vidas por viver

traz consigo

cada casulo negro que chega?

(Van Gogh)

3 de set. de 2009

poemas da guerra - 4

4. 

garis


onde estão os garis para limpar a sujeira do mundo?


onde estão os garis e seus uniformes impecáveis

para limpar a sujeira do mundo?


onde estão os garis para juntarem num só monturo

os pequenos cadáveres do futuro interrompido?




(Jahan Ara Rafi)


2 de set. de 2009

poemas da guerra - 3

3. 

não adianta



não adianta o protesto rude na porta da casa:

há somente a loucura de um homem consigo mesmo


não adianta o grito das massas na rua do centro:

há somente a alienação de um homem com seus pesadelos


não adianta a bandeira queimada na esquina do mundo:

há somente o silêncio dos corpos empilhados




(Goya - três de maio)

1 de set. de 2009

poemas da guerra - 2

2. 

mais nada a dizer




ah! o silêncio das bombas em casas distantes

ah! o longo silêncio dos mísseis perdidos

ah! o estranho silêncio dos loucos que habitam casas brancas

ah! o silêncio daqueles que não têm mais nada a dizer





(Munch)