30 de mai. de 2016

constatação








constatação (1)





moro num país curupira:


o rosto é o povo,


os pés são os políticos





29.5.2016






Constatação (2)




Moro num país curupira:


o rosto com que mira o futuro


é o povo;


os pés com que anda para trás


são os políticos.



30.5.2016

28 de mai. de 2016

crime



(Edvard Munch - The Murderer)




a cidade dorme

uivam os cães à lua
como se lua houvesse
o som do jazz entorpece
não toma corpo a dança
nem batuques alongam o breu

a cidade dorme

sedento o lobo
às duas patas se ergueu
e sem qualquer peleja
da veia o sangue escorre
de dentes afiados goteja

a cidade dorme
a cidade dorme
a cidade dorme

16.5.2016



26 de mai. de 2016

concreto




(David Inshaw  - 1974 - She Did Not Turn)








quebra-se o 


concreto


nasce a 


rosa – o verso


discreto


em prosa reverso


não à poesia


mas ao


poemágico


momento


ântropo-fágico


ao dia


a rosa


a prosa


a prosódia


concretavelmente


concretas






16.5.2016



25 de mai. de 2016

as velhas mangueiras




(Foto da internet, autor não identificado)







vem o caminheiro


por longo caminho através de vales e sebes


os pés rasgados pelas pedras


o peito cansado os olhos turvos


sede e fome 


vem o caminheiro


pela tortuosa trilha das montanhas


suas vísceras encolhem querendo comer-se


como a cobra ao próprio rabo






vem o caminheiro por veredas e destinos


e então 


à beira do caminho deserto encontra o caminheiro


o alívio para seu desalento


a copa verde o tronco austero o fruto maduro


a mangueira augusta pende seus galhos férteis


pensa o caminheiro


umas pedras para derrubar os frutos maduros


umas pedras


e os frutos amarelos e copiosos estarão ao meu alcance






entre o ato de agachar-se e o ato de tocar a primeira pedra


reflete o caminheiro


não é mangueira árvore que se apedreje


não é mangueira árvore a que se deva fazer mal


mangueira é árvore robusta 


seu tronco nodoso desafia


seus frutos pendem fora do alcance às vezes


coragem é preciso para abraçar seu tronco


galgar seus galhos


acariciar seus frutos 


apalpá-los com mão de seda


antes de apanhá-los e sugá-los






assim fez o caminheiro faminto


num último esforço de doçura e vida


desafiando a própria fraqueza 


subiu lento e constante pelos galhos da bela mangueira


tocou seus frutos escolheu os mais maduros


desceu feliz






e chupou-os com a delicadeza dos namorados


e sugou seu sumo com o prazer dos amantes


e seu sumo doce aplacou sua sede


e sua carne tenra aplacou sua fome


e o caminheiro agradecido beijou ternamente


o nodoso tronco da velha mangueira






assim são as mangueiras ao longo do caminho


dão seus frutos a todos os caminheiros


não os distinguem entre ricos e pobres


simples e cultos 


miseráveis ou ministros


religiosos ou ateus


a todos 


as velhas mangueiras dão com prazer


seus deliciosos frutos 


seus deliciosos sumos


nada querem senão que tenham um pouco


somente um pouco de carinho e respeito


por aqueles momentos de prazer inaudito


que seguirão para sempre no passo do caminho


e não sairão jamais de suas doces recordações






ah


as velhas mangueiras ao longo dos longos caminhos da vida





5.5.2016


(Você poderá ouvir esse poema, na voz do autor, no podcast indicado acima à direita da página)




24 de mai. de 2016

as hienas





(Deborah Simon)







não existem hienas no Brasil






carnívoras as hienas


vivem em bandos nas savanas africanas


boas caçadoras alimentam-se no entanto


muito mais de carcaças


que encontram ou que roubam de outros animais






não se encontram hienas no Brasil






cabeça e orelhas enormes têm as hienas


pernas traseiras mais curtas


num desequilíbrio não previsto


maxilares poderosos com trinta e dois dentes


capazes de triturar os ossos de suas presas






não se sabia da existência de hienas no Brasil






gregárias as hienas vivem em bandos


clãs comandadas por fêmeas vorazes e ferozes


cujos filhos até mesmo se matam


na luta por uma boa carcaça e riem


as hienas riem e gargalham na noite escura






não havia hienas no Brasil


nunca houve hienas no Brasil


mas agora apareceram hienas no Brasil


e as hienas do Brasil gargalham e riem


na noite escura em torno de nossas carcaças...


16.5.2016




(Você pode ler este poema, na voz do autor, neste link de podcast:



23 de mai. de 2016

estrelas concretas



(Ângela Lemos)





se pulo o m
                   u
                   r
                   o
atrás da
                  bola
encontro o bosque
de carambola


22.5.2016

19 de mai. de 2016

Trova - lá no quintal de casa um bem-te-vi



 (Ceri Richards - pianiste)




lá no quintal de casa um bem-te-vi


canta sempre desesperadamente


quando numa qualquer tarde dormente


ouço bem alto um disco de Satie




16.5.2016

17 de mai. de 2016

cachaça





(Walter Sickert - ennui)



tinha tomado uma caninha brava
mas não estava bêbado
só meu corpo é que estava



9.5.2016

14 de mai. de 2016

Trova - se alguém sabe da minha vida



(Paul Klee)




se alguém sabe da minha vida


é somente pelas linhas tortas


não abro jamais as minhas portas


a nenhuma pessoa enxerida


12 de mai. de 2016

larica






no teu seio abocanho
tatuada
a folha de cânhamo



9.5.2016

10 de mai. de 2016

sonho meu...




(Delaunay - the red tower)






não sei se Delaunay pirou


ou sonhou


mas pintou


a torre Eiffel se desfazendo...






não sei se pirei


mas sonhei


e imaginei


o edifício sede da FIESP


se desmanchando


numa implosão de vidro e aço


derretendo derretendo


num imenso cataclismo


ao fogo azul de uma retorta


como primeiro passo


para desfazer o laço


desse capitalismo que nos enforca



março/2016

9 de mai. de 2016

insônia




(Dino Valls - nubilis)







tenho em minha cama três travesseiros:


no primeiro repouso minha cabeça


o segundo eu abraço


o terceiro me vigia













13.4.2016

7 de mai. de 2016

Um parlamentar



(Alfred Kubin)





Tu tens a certeza


de todas as estupidezes.


Ou a estupidez


de todas as certezas.


Não importa.


O que tu falas


não se escreve.


Que, se escrevesse,


levaria de imediato


o vento as tuas palavras


para a biblioteca


ou para o cemitério


das inutilidades.


Não te calas, entretanto,


Que assim como zurra o burro


por necessidade,


falas tu por estupidez,


apenas por estupidez


e para entupires os ouvidos


de quem não quer te ouvir.


Pena de ti


é o que tenho.


Apenas pena.


Pois tuas palavras


cobertas das poeiras dos caminhos


serão pisoteadas e esquecidas


como a de todos


os teus pares,


que iguais a ti


muitos há por aí.


14.4.2016

6 de mai. de 2016

pessimismo







rachadas
as paredes de minha casa
rachada
a minha vida ao meio
rachada
ao meio do meio
rachada
ao meio do meio do meio


rachadas
as vidraças de minha casa
rachada
a minha esperança ao meio
rachada
ao meio do meio
rachada
ao meio do meio do meio


estilhaçadas
todas as possibilidades
a casa a vidraça a vida a esperança
nada persistirá
ao tempo
ao vento
ao lento
desalento


14.4.2016
21.4.2016

5 de mai. de 2016

o homem na minha cama



(Albert Ramos - study of a woman)



o homem adormecido em minha cama
sonha o peso do meu passado

ah minha mãe
como é difícil para quem ama
deixar a vida de lado
sonhar como donzela
com príncipe encantado
mesmo que a delícia dela
seja a preço bem cobrado

o homem que ronca em minha cama
nada sabe da minha vida
não levarão os seus passos
nem os beijos nem a chama
da paixão aqui vivida

o calor dos meus abraços
não deixará na sua pele nua
sequer lembrança de meus traços
sou a atriz que no palco atua
para o brilho do protagonista
e não colhe aplausos da plateia
danço sozinha na pista
e ninguém nem faz ideia
de que minha dor exista

ah minha mãe o homem dorme
feliz depois dos ardores
e na sombra da noite informe
sou eu só e meus favores
ele dorme e eu só não fujo
porque nesse enterro sem caixão
quero aqui na palma da minha mão
cada centavo do rico dinheiro sujo
do preço do meu coração




25.4.2015

Você pode ouvir esse poema, na voz do autor (Isaias Edson Sidney), neste endereço de podcast:

4 de mai. de 2016

para gottfried benn





(Gottfried Benn, by Ivan Solyaev)




descobri-o por acaso
e publiquei-o

depois a tarde quente de outono
trouxe o mormaço e a preguiça

não queria fazer mais nada
apenas brincar com a teclas do computador

então digitei seu nome no google
e comecei a catar seus poemas

comecei a tentar entender 
mastiguei seus poemas fritos em suco de fígado

a tarde inteira gastei ouvindo chopin
deglutindo bile escarrando vísceras

o calor lá fora não abrandava nesse outono
de cadáveres insepultos como o próprio hitler

preenchi páginas e páginas de poemas em alemão
e suas traduções traiçoeiras sem nenhuma insensatez

depois de tantos versos e reversos do corpo
deu-me vontade de mijar, de mijar no túmulo de augusto dos anjos

era para ser uma tarde agradável senhor gottfried benn

5.4.2016

3 de mai. de 2016

donzela



(Fameni Leporini)





atrás da igreja tu me pegas


tu me beijas tu te esfregas


tu prometes amor eterno


o padre ao povo mostra o inferno


dos pecadores e fornicadores


mas atrás da igreja não há pecado


só teus beijos e teus sabores


levanto o rabo bem levantado


para teu membro bem dotado


gozo o gozo da aventurança


de pensar na batagela


que é dar pra ti com segurança


e continuar sendo donzela








25.4.2016

2 de mai. de 2016

Trova - é preciso degustar sempre o sal








é preciso degustar sempre o sal,

pois ele é tempero de coisa boa;

como escreveu Fernando Pessoa,

fez do mar lágrima de Portugal.


2.5.2016

1 de mai. de 2016

topless 2












o sol da tarde louçã


vira simples arremedo:


se tiras o sutiã


vai embora bem mais cedo






11.4.2016