(Foto da internet, autor não identificado)
vem o caminheiro
por longo caminho através de vales e sebes
os pés rasgados pelas pedras
o peito cansado os olhos turvos
sede e fome
vem o caminheiro
pela tortuosa trilha das montanhas
suas vísceras encolhem querendo comer-se
como a cobra ao próprio rabo
vem o caminheiro por veredas e destinos
e então
à beira do caminho deserto encontra o caminheiro
o alívio para seu desalento
a copa verde o tronco austero o fruto maduro
a mangueira augusta pende seus galhos férteis
pensa o caminheiro
umas pedras para derrubar os frutos maduros
umas pedras
e os frutos amarelos e copiosos estarão ao meu alcance
entre o ato de agachar-se e o ato de tocar a primeira pedra
reflete o caminheiro
não é mangueira árvore que se apedreje
não é mangueira árvore a que se deva fazer mal
mangueira é árvore robusta
seu tronco nodoso desafia
seus frutos pendem fora do alcance às vezes
coragem é preciso para abraçar seu tronco
galgar seus galhos
acariciar seus frutos
apalpá-los com mão de seda
antes de apanhá-los e sugá-los
assim fez o caminheiro faminto
num último esforço de doçura e vida
desafiando a própria fraqueza
subiu lento e constante pelos galhos da bela mangueira
tocou seus frutos escolheu os mais maduros
desceu feliz
e chupou-os com a delicadeza dos namorados
e sugou seu sumo com o prazer dos amantes
e seu sumo doce aplacou sua sede
e sua carne tenra aplacou sua fome
e o caminheiro agradecido beijou ternamente
o nodoso tronco da velha mangueira
assim são as mangueiras ao longo do caminho
dão seus frutos a todos os caminheiros
não os distinguem entre ricos e pobres
simples e cultos
miseráveis ou ministros
religiosos ou ateus
a todos
as velhas mangueiras dão com prazer
seus deliciosos frutos
seus deliciosos sumos
nada querem senão que tenham um pouco
somente um pouco de carinho e respeito
por aqueles momentos de prazer inaudito
que seguirão para sempre no passo do caminho
e não sairão jamais de suas doces recordações
ah
as velhas mangueiras ao longo dos longos caminhos da vida
5.5.2016
(Você poderá ouvir esse poema, na voz do autor, no podcast indicado acima à direita da página)
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