16 de abr. de 2019

fruto não bendito







vou do céu ao inferno em segundos

ou vou do inferno ao céu nos mesmos segundos

sou fluido e torto como drummond

ou pedra e mar como camões

ou ainda

sou esgoto de águas tratadas como bocage

vejo e oiço estrelas e com elas estabeleço

diálogos de loucas poesias em forma de caixões voadores

fujo aos temas do tempo nas asas dos românticos

versejo em prosa e proseio em verso

à luz da lua ou ao som dos beatles

que importa o tempo quando o tempo passa

sem nem mesmo atinar para mim e sorrir

sou o fruto não bendito de meu tempo

como não poderia deixar de ser

mas não me prendo a esse tempo de espessos coices à lógica

há tremores de nervos provenientes das profundezas da terra

e os ventos que sopram abrem feridas e queimaduras solares

sou o que sou porque não poderia deixar de ser o que não sou

meus braços buscam a espessura de língua de fogo-fátuo

escritas de sonetos perfeitos povoam meus sonhos

e poluem os lençóis de suores e flatulências

nos extremos estertores de memórias inscritas

em pedras tumulares trazidas da lua

os olhos da serpente do desejo e da luxúria

pregam peças e pregos nos caixões rústicos

dos meninos mortos em conventos de pedra e vento

volto às montanhas de minas e descubro que são agora

apenas papéis de commodities na bolsa de nova iorque

e antes que tiradentes de novo se enforque

o navio fantasma que singra os vales de terracota

por onde correm os rios de leite azedo e mel coado

afunda no inferno de meus versos inúteis





27.1.2019

(Ilustração: Robert Fisher - We Live Here)

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