espreita o poeta à noite a cidade o peito opresso envolto em breu
está só e cultiva a sua insônia dentro da espessa solidão
dormem milhões de habitantes e não dormem outros milhares
há a solidão do gato no telhado e a solidão do bêbado na calçada
a solidão do bandido no beco e a solidão uivante do cão vadio
a solidão mendiga na cama de papelão e a solidão bocejante
do porteiro da boate e a do negro espiando a lua por trás das grades
a solidão azul da tela da televisão do décimo andar do prédio em chamas
a solidão da bailarina de nariz vermelho e sapatilhas esgarçadas
a solidão do ronco da motocicleta do entregador de pizza
e a do padeiro que ainda não começou a preparar os pães do dia
e maior ainda a solidão da prostituta sentada no meio fio da calçada
esperando o último cliente que não virá mais e ela apenas chora
há tanta solidão no coração do poeta que vigia a cidade em bruma
que os deuses lhe deram por capricho apenas o compadecimento
6.2.2019
(Ilustração: Manuel Benedito - 1875-1963)
(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:
Comovente! Somos todos nós, não importa quem! E essa solidão não deixa ninguém impune. Parabéns, por tanta sensibilidade!
ResponderExcluirObrigado, Eliana. (Eu, Isaias)
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