pior do que ser viado
é ser viado pobre
pior do que ser viado pobre
é ser viado pobre e preto
pior do que ser viado pobre e preto
é ser viado pobre preto da periferia
pior do que ser puta
é ser puta pobre
pior do que ser puta pobre
é ser puta pobre e preta
pior do que ser puta pobre preta
é ser puta pobre preta da periferia
o osso duro de cada dia dá-nos hoje
o senhor nosso da capela florida dos jardins de inverno
que roeremos o osso e também os teus tapetes
quando servirmos os teus lautos banquetes
nosso desejo entorta o cano das armas que nos matam
cada bala em nosso peito é hóstia consagrada
aos desvios nossos de cada dia nas quebradas das favelas
pobres putas e pretos viados caçamos clientes
como somos caçados pelos soldados inclementes
mas mantemos sempre afiados os nossos dentes
na lama do charco nascem flores belas
mas na lama do nosso peito só se cultiva o medo
não o medo de morrer em qualquer esquina
mas de viver cada dia a mais nessa miséria
cantamos e dançamos o canto e a dança da morte
pisando as pedras da rua sem lua e da praça sem jaça
puta que morre não vira estrela – vira lamento
viado que morre não vira purpurina – vira desalento
para quem continua pior que pobre pior que puta
para quem não sabe o que é o dia que amanhece
noite sempre em cada passo noite sempre em cada
canto em cada dança em cada quebrada da vida
se do teu mundo de ouro e prata somos escória
nossos corpos jogados ao léu para repasto de urubu
serão sempre a espada de dâmocles na tua história
23.10.2019
(Ilustração: escultura de Camille Claudel - L’Abandon)
Leia esse poema, na voz do autor, acessando este endereço de podcast:
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