11 de nov. de 2019

escória




pior do que ser viado

é ser viado pobre

pior do que ser viado pobre

é ser viado pobre e preto

pior do que ser viado pobre e preto

é ser viado pobre preto da periferia



pior do que ser puta

é ser puta pobre

pior do que ser puta pobre

é ser puta pobre e preta

pior do que ser puta pobre preta

é ser puta pobre preta da periferia



o osso duro de cada dia dá-nos hoje

o senhor nosso da capela florida dos jardins de inverno

que roeremos o osso e também os teus tapetes

quando servirmos os teus lautos banquetes



nosso desejo entorta o cano das armas que nos matam

cada bala em nosso peito é hóstia consagrada

aos desvios nossos de cada dia nas quebradas das favelas

pobres putas e pretos viados caçamos clientes

como somos caçados pelos soldados inclementes

mas mantemos sempre afiados os nossos dentes



na lama do charco nascem flores belas

mas na lama do nosso peito só se cultiva o medo

não o medo de morrer em qualquer esquina

mas de viver cada dia a mais nessa miséria



cantamos e dançamos o canto e a dança da morte

pisando as pedras da rua sem lua e da praça sem jaça

puta que morre não vira estrela – vira lamento

viado que morre não vira purpurina – vira desalento

para quem continua pior que pobre pior que puta

para quem não sabe o que é o dia que amanhece

noite sempre em cada passo noite sempre em cada

canto em cada dança em cada quebrada da vida

se do teu mundo de ouro e prata somos escória

nossos corpos jogados ao léu para repasto de urubu

serão sempre a espada de dâmocles na tua história





23.10.2019



(Ilustração: escultura de Camille Claudel - L’Abandon)


Leia esse poema, na voz do autor, acessando este endereço de podcast:







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