fico às vezes pensando
- o que são as palavras?
- para que servem as palavras?
- por que o poema?
a música sem palavras – por exemplo –
o que ela comunica?
por que viajamos no som de uma orquestra?
sou humano e nada do que é humano
seja indiferente para mim – plagio um grego
- inutilmente –
porque tudo o que sei vem das palavras
e eu sei que as palavras mentem
quando digo – poema –
o que realmente eu quero dizer?
e o que você – que talvez nunca vai me ler –
o que você entende?
fico às vezes pensando
- o que é a vida?
- por que vivemos?
- por que fazemos tudo isso que fazemos?
a vida é só o que pulsa nas minhas veias
ou o que pulsa também nos meus órgãos genitais?
a vida é o que está no meu cérebro – essa máquina
de sentimentos e sensações – que nunca vamos entender –
ou a vida é o lento desabrochar da rosa?
o verme que corrói a matéria putrefata?
- talvez o vírus que nos mata –
para que entender a vida se só o que sabemos é viver?
as palavras estão aí e a vida também
sem que haja qualquer manual de instrução
de como usá-las
quando os deuses do universo – e isso o que eu escrevi é uma bobagem –
inventaram a vida lá nos confins de algum buraco negro –
esqueceram de escrever a bula
- esse tipo de bula que relata até mesmo os mínimos efeitos colaterais
nos seres mais sensíveis foi relatado que em zero ponto um por cento
há intolerância e até mesmo um certo enjoo no ato de viver
mas que isso na ordem total do universo
pode ser mais do que uma simples estatística
para se tornar uma epidemia – quiçá uma pandemia –
e os ventos soprados do norte registrarão aos narizes
um cheiro de matéria orgânica em decomposição
- algo que pode indicar apenas que há estrelas na noite
ou que não há segredos em viver e morrer
fico às vezes pensando
e as palavras – assim como a vida –
tresandam em algo impensável dentro de meu cérebro
nulificam-se por si mesmas
inutilizam-se em si mesmas
desmancham-se em pó
em teias de areia
em grãos insossos
por isso emudeço e ensurdeço
e digo – abusando do dizer ao nada dizer -
que sou só mais uma folha seca – menos do que um elétron -
batida aos ventos cósmicos do universo
- esse paul –
que não entendo nem entenderemos jamais
12.11.2020
(Ilustração: escultura de Fernando Botero - Maternidad - Oviedo)
(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:
https://open.spotify.com/episode/0gEZ8MFFln29dsIWHX82S7?si=f8eb6abb0dd84cf6)