2 de fev. de 2021

reflexões sobre o pântano

 



fico às vezes pensando

- o que são as palavras?

- para que servem as palavras?

- por que o poema?



a música sem palavras – por exemplo –

o que ela comunica?

por que viajamos no som de uma orquestra?



sou humano e nada do que é humano

seja indiferente para mim – plagio um grego

- inutilmente –

porque tudo o que sei vem das palavras

e eu sei que as palavras mentem



quando digo – poema –

o que realmente eu quero dizer?

e o que você – que talvez nunca vai me ler –

o que você entende?



fico às vezes pensando

- o que é a vida?

- por que vivemos?

- por que fazemos tudo isso que fazemos?



a vida é só o que pulsa nas minhas veias

ou o que pulsa também nos meus órgãos genitais?

a vida é o que está no meu cérebro – essa máquina

de sentimentos e sensações – que nunca vamos entender –

ou a vida é o lento desabrochar da rosa?

o verme que corrói a matéria putrefata?

- talvez o vírus que nos mata –

para que entender a vida se só o que sabemos é viver?



as palavras estão aí e a vida também

sem que haja qualquer manual de instrução

de como usá-las



quando os deuses do universo – e isso o que eu escrevi é uma bobagem –

inventaram a vida lá nos confins de algum buraco negro –

esqueceram de escrever a bula

- esse tipo de bula que relata até mesmo os mínimos efeitos colaterais



nos seres mais sensíveis foi relatado que em zero ponto um por cento

há intolerância e até mesmo um certo enjoo no ato de viver

mas que isso na ordem total do universo

pode ser mais do que uma simples estatística

para se tornar uma epidemia – quiçá uma pandemia –

e os ventos soprados do norte registrarão aos narizes

um cheiro de matéria orgânica em decomposição

- algo que pode indicar apenas que há estrelas na noite

ou que não há segredos em viver e morrer



fico às vezes pensando

e as palavras – assim como a vida –

tresandam em algo impensável dentro de meu cérebro

nulificam-se por si mesmas

inutilizam-se em si mesmas

desmancham-se em pó

em teias de areia

em grãos insossos



por isso emudeço e ensurdeço

e digo – abusando do dizer ao nada dizer -

que sou só mais uma folha seca – menos do que um elétron -

batida aos ventos cósmicos do universo

- esse paul –

que não entendo nem entenderemos jamais





12.11.2020

(Ilustração:  escultura de Fernando Botero - Maternidad - Oviedo)


(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:

https://open.spotify.com/episode/0gEZ8MFFln29dsIWHX82S7?si=f8eb6abb0dd84cf6)

 

 

 

 

 

 

 

 

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