contra o azul da tarde outonal os pontos negros aproximam-se
planam sobre as covas e voltam para o alto a voar em círculos
sabem que não são bem-vindos na festa trágica dos humanos
apenas contemplam no seu ceticismo as pás que cavam
a tarde outonal é clara e eles são negros pontos girando
girando em círculos sem qualquer perspectiva de sucesso
as pás lá embaixo apenas cavam o silêncio dos ausentes
como em silêncio a tarde quase fria coroa o voo macio
esperam e giram no espaço as inúteis figuras de papelão
recortadas à luz de um abajur funéreo enquanto as pás
sobem e descem no ritmo agora de uma valsa vienense
esperam e rodam e olham para baixo os seus olhos agudos
a noite que chega não para o movimento das pás na terra
cavam e molham de suor as testas cobertas pela burca
os urubus giram o último voo e vão embora com fome
porque o movimento das pás não respeita a noite e seu brilho
disputa com a luz da lua negra o último ato da tragédia humana
27.3.2021
(Ilustração: Andrea Kowch)
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