7 de abr. de 2021

ato final

 


contra o azul da tarde outonal os pontos negros aproximam-se

planam sobre as covas e voltam para o alto a voar em círculos

sabem que não são bem-vindos na festa trágica dos humanos

apenas contemplam no seu ceticismo as pás que cavam

a tarde outonal é clara e eles são negros pontos girando

girando em círculos sem qualquer perspectiva de sucesso

as pás lá embaixo apenas cavam o silêncio dos ausentes

como em silêncio a tarde quase fria coroa o voo macio

esperam e giram no espaço as inúteis figuras de papelão

recortadas à luz de um abajur funéreo enquanto as pás

sobem e descem no ritmo agora de uma valsa vienense

esperam e rodam e olham para baixo os seus olhos agudos

a noite que chega não para o movimento das pás na terra

cavam e molham de suor as testas cobertas pela burca

os urubus giram o último voo e vão embora com fome

porque o movimento das pás não respeita a noite e seu brilho

disputa com a luz da lua negra o último ato da tragédia humana



27.3.2021

(Ilustração: Andrea Kowch)

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