3 de jul. de 2021

a casa da vovó

 





avós

minhas avós

sombrearam minhas memórias

apenas minhas memórias

nem imaginá-las consigo

nem casa nem olhos de meiguice

nem a sopa quente na noite fria

sequer um passo trêfego antes do beijo de boa noite

casa de avó

carinho de avó



agora que os anos me fizeram a mim também avô

vejo nos olhos de netos o brilho da vela no bolo de aniversário

a alegria do abraço apertado ou da carícia sutil



o sonho da casa da avó

como a nunca construída casa da árvore



casa da avó – as portas sempre abertas

poucos cômodos

o quintal onde se possa reinar à vontade

fogão a lenha

o cheiro de feijão com torresmo

a porta que bate e assusta o gato dorminhoco

o canto do pintassilgo

a janela que se abre para os galhos da jabuticabeira

goiabada com queijo

bolinho de chuva na tarde de chuva

fadas e gnomos à mesa do jantar

o cobertor quentinho e o cheiro da palha do colchão



avós de brasis de caatingas

avós de brasis de florestas negras

avós de brasis de montanhas azuladas

avós de brasis dos pampas e de lagoas perenes

voz de avós que embalam netos em cidades e roças de milho

avós que em sílaba dobrada viram

vovós



a casa de todas as vovós



a casa da vovó

por onde um dia entraram

tantos – não eram mais meninos e meninas – que sonharam

entraram e saíram

para nunca mais serem encontrados

(e isso foi num tempo que nem ouso lembrar)



11.10.2020

(Ilustração: Fernando Botero -Abughraib)



(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:

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