avós
minhas avós
sombrearam minhas memórias
apenas minhas memórias
nem imaginá-las consigo
nem casa nem olhos de meiguice
nem a sopa quente na noite fria
sequer um passo trêfego antes do beijo de boa noite
casa de avó
carinho de avó
agora que os anos me fizeram a mim também avô
vejo nos olhos de netos o brilho da vela no bolo de aniversário
a alegria do abraço apertado ou da carícia sutil
o sonho da casa da avó
como a nunca construída casa da árvore
casa da avó – as portas sempre abertas
poucos cômodos
o quintal onde se possa reinar à vontade
fogão a lenha
o cheiro de feijão com torresmo
a porta que bate e assusta o gato dorminhoco
o canto do pintassilgo
a janela que se abre para os galhos da jabuticabeira
goiabada com queijo
bolinho de chuva na tarde de chuva
fadas e gnomos à mesa do jantar
o cobertor quentinho e o cheiro da palha do colchão
avós de brasis de caatingas
avós de brasis de florestas negras
avós de brasis de montanhas azuladas
avós de brasis dos pampas e de lagoas perenes
voz de avós que embalam netos em cidades e roças de milho
avós que em sílaba dobrada viram
vovós
a casa de todas as vovós
a casa da vovó
por onde um dia entraram
tantos – não eram mais meninos e meninas – que sonharam
entraram e saíram
para nunca mais serem encontrados
(e isso foi num tempo que nem ouso lembrar)
11.10.2020
(Ilustração: Fernando Botero -Abughraib)
(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:
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