embora saibamos que se locupletam em seus palácios
a cada contrato assinado com grandes empreiteiras
e transformam em notas verdes nossas fronteiras
e nossas matas em dourados cartapácios
embora saibamos que tripudiam de nossa miséria
e em seus verões suíços somos motivo de pilhéria
enquanto comem à nossa custa lagosta à termidor
e o vinho em suas taças tenha a cor de nosso suor
embora saibamos que de suas canetas de ouro
escorre o sangue extraído de nosso couro
transformado em lamaçal de tolhidas esperanças
embora saibamos que de cada orelha de mulher prometida
pendem dourados cordões umbilicais de milhares de crianças
que foram do berço à cova rasa sem passar pela vida
embora saibamos que a toda a riqueza que some
tem o destino de alimentar seu desprezo por nós
enquanto morremos um pouco cada dia de frio e de fome
no meio das praças na mais sórdida mendicância
embora saibamos que eles apertam na forca os nós
em nossos pescoços e golpeiem nosso couro duro
tudo isso até seria pouco e de menor importância
se não roubassem também nossos sonhos de futuro
20.2.2021
(Ilustração: Diego Rivera - landscape - cactus)
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