Estava morrendo. Tinha certeza disso. O corpo pesava uma tonelada no leito desfeito. Estou... estou morrendo. A vida... a vida... a vida... me disseram que veria um videotape de tudo... Preciso lembrar... preciso lembrar...um por um... cada momento... Era a última esperança de ser feliz, precisava lembrar... tudo... a vida... a vida a passar diante de seus olhos como numa tela imensa... não, de cinema, não, quero a tela azul e suave do computador... Ele abria e fechava os olhos. Porra! Cadê o passado... cadê a primeira lembrança... cadê o primeiro brinquedo? Quero a minha vida... A única porra de vida que era sua... que lhe pertencia... a única... Estava morrendo, tinha certeza... estou morrendo e tenho o direito... Queria o direito de ver pela última vez a vida que é a única posse de um homem, a sua história passando pela tela do computador... Que bosta... eu quero lembrar... Ele queria lembrar... sonhar pela última vez... filhos-da-puta! quero a minha lembrança derradeira! Não! Não podem me negar... Não lhe podiam negar isso... É muita sacanagem... não se faz isso com um homem no seu leito de morte... a memória... A memória é tudo que ele possuía... É tudo o que eu tenho... eu quero lembrar... eu preciso lembrar... E seus olhos se fecharam para sempre, com uma única memória que teimou em fixar-se para sempre em sua retina, como um computador travado: a lembrança daquele beijo... aquele maldito beijo!
(Ilustração: Gustav Klimt - Der Kuss)
(Você pode ouvir esse conto na voz do autor no endereço do podcast ao lado)
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