28 de out. de 2022

impressões - 1

 





noite em são paulo

entre a fieira branca e a fieira vermelha de carros

a fita negra do rio



no meu quintal

a lua cheia não seca

a roupa no varal



lua minguante

chega o ônibus à rodoviária

desce o migrante

ficou na estrada a reforma agrária



no meu jardim

antes do desmaio

a flor de maio

sorri para mim



desce o lixeiro do caminhão do lixo

ao breu da lua nova

sob jornais os corpos rijos

liga para o patrão: vou recolher

o patrão aprova



na minha cama

cobre-me a sombra da noite

a solidão é um açoite



veloz sobe o carro na calçada

mal vejo quando foge

porque é lua crescente e chove

chove e sinto frio

conto oito corpos no meio-fio

na televisão disseram que eram nove



depois de uma noite insone

não me confortam nem sol nem lua

se eu soubesse tocar trombone

saía agora mesmo para a rua



10.6.2022

(ilustração: Giuseppe Pellizza da Volpedo - Quarto Stato)


Você pode ouvir esse texto, na voz do autor, Isaias Edson Sidney, neste endereço de podcast:



Um comentário:

  1. Que espetáculo, Isaías! Adorei seu poema! Amo esse estilo que com poucas palavras o poeta diz tudo, deixando na gente a marca do que lhe vai na alma! Parabéns

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