no meio de uma tempestade de verão
carros boiando
luzes piscando e se apagando
gente gritando e se afogando
no meio desse pandemônio
de gritos e sussurros e desesperos
- quero beijar-te
no escurinho do cinema numa tarde de domingo
a sala lotada
a criançada comendo pipoca
fazendo algazarra
os pais amalucados pedindo silêncio
na tela a mocinha dizendo não ao noivo na hora do sim
- quero beijar-te
durante o congestionamento de uma tarde de sexta-feira
buzinas frenéticas
gente angustiada
a noite descendo trágica de seus tamancos mágicos
para assinalar o atraso ao encontro marcado
nos rostos desanimados o suor sem cerveja
- eu quero beijar-te
no cimo da mais alta montanha nevada
o mundo lá embaixo pegando fogo
numa luta sem ganhadores e sem perdedores
a neve e o frio a gelar nossos ossos
o abraço que pouco aquece mas entusiasma
- quero beijar-te
no silêncio do quarto de hotel quando há pouco te despiste
tu te aninhas em meus braços
minha pele na tua pele
meu ventre no teu ventre
teus seios achatados contra meu peito
o abraço quente do desejo despertado
teus braços em meu corpo enlaçados
meus braços a teu corpo agarrados
queimam-me teus olhos
queimam-te meus anseios
nesse momento de mundo estatelado
no segundo de angústia antes do ato programado
- quero beijar-te
e que fosse esse o último beijo
e que fosse esse o beijo fatal
eu te beijaria
e feliz morreria
3.10.2021
(Ilustração: Jack Vetriano - game on, 1999)
Nenhum comentário:
Postar um comentário