dizem a estrada da vida
como se a vida fosse um caminho cheio de curvas
um caminho cheio de obstáculos que nos leva para o alto
para uma plenitude de conhecimentos adquiridos pela experiência
e dizem mais
que faz o caminheiro o caminho ao caminhar
e eu fico pensando na estrada que há ou não há
se ela já existe ou se eu a construo com meus passos
e enquanto caminho por essa estrada que não sei se há ou não há
olho para trás de vez em quando e vejo que muitas vezes
depois de muito caminhar não saí do mesmo lugar
outras vezes estico para frente o meu olhar
e só vejo sombrio muro ou penhasco ou não vejo nada
mas continuo não sei se para a frente ou para trás
se rodo em círculo no meio do mato ou caminho para o precipício
sei apenas que tempo urge e me obriga a caminhar mesmo quando inertes
meus passos flutuam no espaço vazio de minhas indecisões
dizem a idade lhe dará a sabedoria
e hoje chego a uma idade em que devia trazer às costas um saco de sessenta quilos
da tal sabedoria
e me sinto ainda mais leve quanto a esse quesito do que me sentia quando jovem
porque naquele tempo de músculos ainda não testados
de olhos ainda não baços pela névoa do tempo
de cabeça e cérebros ainda virgens de todo o conhecimento que tenho hoje
eu me julgava realmente um sábio e o mundo cabia no bolso da minha camisa
hoje – quando o caminho que caminhei se cobre de pele e suor
se cobre de sangue e restos de mim – olho para o mundo
e relembro aquele filósofo grego que um dia disse
quanto mais sei mais sei que nada sei
e quero gritar para os idiotas que me diziam que seria sábio ao envelhecer
- quero agora em minhas costas um saco de sessenta quilos de sabedoria
quero agora entender a vida para dizer ao menos que ela não tem sentido algum
mas o grito escorre-me garganta abaixo
assim como meus passos vão morrendo pouco a pouco
sem que o caminho que dizem que eles – os meus passos –
teriam de ter construído
ganhe concretude ou qualquer espécie de linha ou trilha que possa chamar de caminho
se sou o nada como já disse o poeta – e não sei também se ele era sábio ou não
assim como o filósofo grego que nada sabia ao saber mais e mais –
(abro parênteses para dizer que aos poetas é dado o dom
de falar com elegância até do próprio inferno)
queria ter consciência desse nada
queria poder gritar para o abismo – eu sou nada
mas o abismo que eu contemplo não olha para mim
também não me responde
e só o brilho das estrelas que já morreram há milênios
permitem contemplar diante do nada e do abismo os meus olhos cansados
então para concluir essa já longa diatribe contra a vida
ou melhor – contra tudo o que disseram que a vida me ensinaria –
permitam – meus improváveis leitores e leitoras – que lhes diga
que a vida é a vida é a vida é a vida e nada mais
(e alguém também já disse isso)
ponto
(e talvez isso seja apenas mais uma bobagem)
ponto final
23.1.2022
(Ilustração: Escultura de Francesco Queirolo
- desilução ou liberação da decepção)
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