21 de fev. de 2023

realidade crua e bruta

 






dizem a estrada da vida

como se a vida fosse um caminho cheio de curvas

um caminho cheio de obstáculos que nos leva para o alto

para uma plenitude de conhecimentos adquiridos pela experiência

e dizem mais

que faz o caminheiro o caminho ao caminhar



e eu fico pensando na estrada que há ou não há

se ela já existe ou se eu a construo com meus passos



e enquanto caminho por essa estrada que não sei se há ou não há

olho para trás de vez em quando e vejo que muitas vezes

depois de muito caminhar não saí do mesmo lugar

outras vezes estico para frente o meu olhar

e só vejo sombrio muro ou penhasco ou não vejo nada

mas continuo não sei se para a frente ou para trás

se rodo em círculo no meio do mato ou caminho para o precipício

sei apenas que tempo urge e me obriga a caminhar mesmo quando inertes

meus passos flutuam no espaço vazio de minhas indecisões



dizem a idade lhe dará a sabedoria

e hoje chego a uma idade em que devia trazer às costas um saco de sessenta quilos

da tal sabedoria

e me sinto ainda mais leve quanto a esse quesito do que me sentia quando jovem

porque naquele tempo de músculos ainda não testados

de olhos ainda não baços pela névoa do tempo

de cabeça e cérebros ainda virgens de todo o conhecimento que tenho hoje

eu me julgava realmente um sábio e o mundo cabia no bolso da minha camisa

hoje – quando o caminho que caminhei se cobre de pele e suor

se cobre de sangue e restos de mim – olho para o mundo

e relembro aquele filósofo grego que um dia disse

quanto mais sei mais sei que nada sei

e quero gritar para os idiotas que me diziam que seria sábio ao envelhecer

- quero agora em minhas costas um saco de sessenta quilos de sabedoria

quero agora entender a vida para dizer ao menos que ela não tem sentido algum

mas o grito escorre-me garganta abaixo

assim como meus passos vão morrendo pouco a pouco

sem que o caminho que dizem que eles – os meus passos –

teriam de ter construído

ganhe concretude ou qualquer espécie de linha ou trilha que possa chamar de caminho



se sou o nada como já disse o poeta – e não sei também se ele era sábio ou não

assim como o filósofo grego que nada sabia ao saber mais e mais –

(abro parênteses para dizer que aos poetas é dado o dom

de falar com elegância até do próprio inferno)

queria ter consciência desse nada

queria poder gritar para o abismo – eu sou nada

mas o abismo que eu contemplo não olha para mim

também não me responde

e só o brilho das estrelas que já morreram há milênios

permitem contemplar diante do nada e do abismo os meus olhos cansados



então para concluir essa já longa diatribe contra a vida

ou melhor – contra tudo o que disseram que a vida me ensinaria –

permitam – meus improváveis leitores e leitoras – que lhes diga

que a vida é a vida é a vida é a vida e nada mais

(e alguém também já disse isso)

ponto

(e talvez isso seja apenas mais uma bobagem)

ponto final



23.1.2022

(Ilustração: Escultura de  Francesco Queirolo
 - desilução ou liberação da decepção)

 

 

 

 

 

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