10 de abr. de 2023

ruínas

 



 



esgarça-se o tempo dos arrependimentos

para todos aqueles que escolheram o caminho do pandemônio



o demolidor estende suas garras

tira um por um – na surdina dos decretos impublicáveis

urdidos nos gabinetes acarpetados – os tijolos da construção mal rebocada



cai cada carta do dominó do demônio

ao sopro das profundezas da garganta da serpente

nas paradas das botas que batem no asfalto

no suor da floresta que desaba

nas cátedras corroídas pelo cupim da negação

nas pipetas vazias aos olhos dos aventais amarelados



choram mulheres nos cantos dos lares

choram as plumas das cores do arco-íris

planejam guerras os meninos sem destino no desatino da fome

cobrem-se de pústulas as costas dos mendigos

apertam os cintos os mercadores de quinquilharias da fé

caminham a esmo os profetas a contar nos dedos os dias de caos

ratos saem das tocas e baratas voam no bico dos pássaros

os ventos podres que sopram do norte arrepiam as mentes

e levantam as saias das putas e das beatas



nos povoamentos superpostos de morros derretidos

a chuva que corrói não vem das nuvens – vem dos desejos

de morte do olhar do assassino que rege a marcha fúnebre



os loucos dançam a dança macabra

e batem os dedos na têmpora

ao ritmo do último canto de desalento

- imitam com seu gesto de olhos esbugalhados

a continência aos desmandos do líder dos fasci di combattimento



canta enfim a pátria armada

o festival da ruína programada

enquanto se engraxam os coturnos nos desvãos dos quartéis

para pisar de novo as barbas do rei da nota de quinhentos réis

e agora ninguém pode fazer mais nada




19.4.2021

(Ilustração: Marcella Chapman - desolation)


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