uma estrada de terra
o sacolejar lento da jardineira
a paisagem suja de pó mas íntegra e bela
os olhos lacrimejam mas isso passa
os ossos doem mas isso também passa
o tempo parado nos chifres do gado lá fora a pastar e a passar lento e ruminante
o tempo
o tempo
a ponte mata-burros quebrada e a jardineira parada
todos descem
buscam ajudar
colhem troncos no mato
improvisam o conserto
e o sacolejar lento amortece de novo os corpos vazios
a estrada não tem fim
as montanhas no horizonte perfilam azuis de metileno
dorme-se e acorda-se e parece sempre a mesma paisagem
ronca o motor da jardineira
ronca o passageiro ao lado
cabeceia e encosta-se no ombro do passageiro incomodado
sai fora cumpadi que eu sô é hômi
o tempo flui lento e leve nas rodas de poeira da jardineira
lembra o abraço da mulher na rodoviária
lembra o beijo no filho como despedida
lembra o motivo da viagem – não lembra não
só sabe que é longa e lenta a estrada de poeira levantada
pelo longo e lento sacolejar da jardineira
hoje viaja por estradas asfaltadas
guiando um SUV último modelo câmbio automático e ar-condicionado
o tempo é rápido como o raio da roda do veículo
[continua sem lembrar o motivo da viagem]
mas a estrada de poeira e o lento e longo sacolejar da jardineira
viajam com ele na estrada de asfalto atropelando a poesia
28.2.2022
(Ilustração: José Rosário Castro - Curva de estrada na Barra, Dionísio MG)
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