13 de abr. de 2023

saudosismo

 



uma estrada de terra

o sacolejar lento da jardineira

a paisagem suja de pó mas íntegra e bela

os olhos lacrimejam mas isso passa

os ossos doem mas isso também passa

o tempo parado nos chifres do gado lá fora a pastar e a passar lento e ruminante

o tempo

o tempo

a ponte mata-burros quebrada e a jardineira parada

todos descem

buscam ajudar

colhem troncos no mato

improvisam o conserto

e o sacolejar lento amortece de novo os corpos vazios

a estrada não tem fim

as montanhas no horizonte perfilam azuis de metileno

dorme-se e acorda-se e parece sempre a mesma paisagem

ronca o motor da jardineira

ronca o passageiro ao lado

cabeceia e encosta-se no ombro do passageiro incomodado

sai fora cumpadi que eu sô é hômi

o tempo flui lento e leve nas rodas de poeira da jardineira

lembra o abraço da mulher na rodoviária

lembra o beijo no filho como despedida

lembra o motivo da viagem – não lembra não

só sabe que é longa e lenta a estrada de poeira levantada

pelo longo e lento sacolejar da jardineira



hoje viaja por estradas asfaltadas

guiando um SUV último modelo câmbio automático e ar-condicionado

o tempo é rápido como o raio da roda do veículo

[continua sem lembrar o motivo da viagem]

mas a estrada de poeira e o lento e longo sacolejar da jardineira

viajam com ele na estrada de asfalto atropelando a poesia




28.2.2022

(Ilustração: José Rosário Castro - Curva de estrada na Barra, Dionísio MG)

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