sonho que
estou a debulhar o milho
como debulho os teus seios
ou será o contrário disso:
que esteja a debulhar os teus seios
como debulho o milho?
bobagem isto de milho e seios
que não os sei nem um nem outro
que nunca me debulhei em lágrimas
nem lágrimas há nos teus seios
que não sejam do milho o suco ou o centeio
que esmagam as máquinas do tempo
na inútil roda da vida
quero milho em minhas mãos
e semeá-lo como semeias filhos
e tuas odes cantar ao som da lua
menestrel de quinta numa noite de sexta-feira
no banzo de cantigas emprenhadas à sombra do baobá
que seja eu teu escravo em danças orientais
e serei teu senhor nas tabas da tribo tupinambá
debulhem-se em gotas de ouro e prata
todos os poemas que para ti não escreverei
mesmo que os cante todos em serenata
que sejam teus seios o mágico anoitecer
de todas minhas searas de angústias
e que todo o ópio que consumiu álvaro de campos
as minhas noites entonteça quando
não estejas a estibordo de minha cama
e a espiga aloirada do teu ventre
não se abra aos ventos que enfumam minhas velas
para a viagem sem fim rumo às estrelas
4.7.2022
(Ilustração: escultura de Camille Claudel, 1864-1943)
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