22 de set. de 2023

viagem sem fim

 





sonho que

estou a debulhar o milho

como debulho os teus seios

ou será o contrário disso:

que esteja a debulhar os teus seios

como debulho o milho?



bobagem isto de milho e seios

que não os sei nem um nem outro

que nunca me debulhei em lágrimas

nem lágrimas há nos teus seios

que não sejam do milho o suco ou o centeio

que esmagam as máquinas do tempo

na inútil roda da vida



quero milho em minhas mãos

e semeá-lo como semeias filhos

e tuas odes cantar ao som da lua

menestrel de quinta numa noite de sexta-feira

no banzo de cantigas emprenhadas à sombra do baobá



que seja eu teu escravo em danças orientais

e serei teu senhor nas tabas da tribo tupinambá



debulhem-se em gotas de ouro e prata

todos os poemas que para ti não escreverei

mesmo que os cante todos em serenata



que sejam teus seios o mágico anoitecer

de todas minhas searas de angústias

e que todo o ópio que consumiu álvaro de campos

as minhas noites entonteça quando

não estejas a estibordo de minha cama

e a espiga aloirada do teu ventre

não se abra aos ventos que enfumam minhas velas

para a viagem sem fim rumo às estrelas





4.7.2022

(Ilustração: escultura de Camille Claudel, 1864-1943)



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