minas tem minas profundas dentro de mim
e quanto mais escavo em busca do ouro que não há
mais se enferrujam as engrenagens da minha saudade
num trem que sai da estação de lugar nenhum
para o espanto de minhas lembranças
revejo as ruas longas e tortas de minha cidade
e não sei – quando vejo suas fotos de hoje -
se sinto a dor de não estar lá
ou a dor que teria se lá estivesse
o tempo come pelas bordas as minhas recordações
rói o desterro que me impus
de sofrer aqui o que lá sofreria
mais o buraco das minas aprofunda o meu desencanto
no cheiro que vem das madrugadas antigas
no grito do bem-te-vi que grita aqui como lá gritava
outrora
e o fruto doce da mangueira tem aqui o leve aroma de
tardes lentas
quando eu menino me lambuzava de seus sucos trepado nos
seus galhos
minas e suas minas dentro de mim
o ferro que fundiu meus caminhos para longe
o asfalto que me trouxe para lugares onde me tornei mais
triste
tudo impressiona dentro dos labirintos no interior de mim
lá como cá
sou o sumo da jabuticaba que o sanhaço não sugou
e caio dentro de mim como o caroço da manga madura
mas não frutificam as sementes que cultivo
apenas a lembrança aquece as noites de insônia
quando percorro sempre dentro de mim mesmo as mesmas ruas
cobertas de marcas de passos de antepassados do passado
mais remoto
fantasmas de enforcamentos e de procissões em noites de
lua cheia
o cristo morto pranteado ao som das matracas e o véu da
verônica
erguido mais uma vez na estação dolorida
para que a voz de contralto chegue aos ouvidos de todos
os fiéis
baralham-se os rogos inúteis dos passos sofredores
ruma o cortejo para a cerimônia final na praça da igreja
matriz
compungidas as beatas
contritos os irmãos da congregação de sagrados corações
balança o rosário no silêncio profundo o pároco
e o eco de todos as demais contas preenche os espaços
lunares
prego-me à cruz com o cristo e solto o meu grito de
liberdade
ao viajar para os páramos de engrenagens de racionalidade
fujo da fé como fujo de mim e sou aquele que nunca se
ajoelhou
minas e suas minas
buracos de saudosismo inútil nas asas de borboletas e
pintassilgos
a estrada que sobe montanha acima e desce montanha abaixo
os abismos que se encaixam à profundidade de minhas
lembranças
sou eu só e meus desejos
sou eu só e minhas minas desesperadamente profundas
que sejam elas meu caminho de esperança e de futuro
mesmo que nunca mais eu volte àquelas velhas ruas
abandonadas
de minha infância e de minhas auroras perdidas
19.6.2022
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