1 de fev. de 2024

canção do espanto

 



 como uma pluma ao vento de agosto vaga meu delírio sobre a cidade

adormecidos os cidadãos em seus leitos

a peste em minhas asas

o grito de angústia no bico adunco

abutre noturno em busca da carne podre

sustento meu voo na força do vento que venta do norte

sei o que sou e o que sou é a dor e também a morte

passeio pelo catre imundo do favelado

passeio pelo dossel revestido de ouro falso do velho capitalista

bico o seio tatuado da madame

corto a carne da bicha apaixonada

estraçalho o ventre da puta solitária

como os olhos das criancinhas em seus berçários

canto a canção do espanto

entrevista em bocas escancaradas

e nada pode deter meu labor enquanto canto

pelos quatro cantos a vitória dos genocidas

enterro bem fundo no leito do rio da morte

as cantigas que não se afinam com o meu doce canto de morte

prendo no fundo do pântano mais sujo todos os sorrisos

que acaso ainda se escondam atrás de máscaras inúteis

 

espanto enfim como uma pluma ao vento de agosto

para a concretude de minha sanha e de meu delírio

o sonho e o futuro de cada cidadão que ouse ter o gosto

de olhar em meus olhos e desdenhar o seu martírio


 



5.6.2021




(Ilustração: Giovanni Stradano - 1587: Racconto di Ugolino - Inferno, Canto 33)

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