escrevo o que me dá na telha
e se alguém me aconselha
a não ser tão urubu
mando logo tomar no cu
e sigo em frente
mesmo que me tente
voltar atrás e chutar
tudo que me dá azar
não tenho medo de deus
não tenho medo do capeta
de todos os gostos meus
gosto mesmo é de boceta
tenho pois a língua ferina
sem medo de palavrões
minha lira é fescenina
tocada pelos colhões
por isso sempre escrevo
o que me der na telha
se alguém me pentelha
desaforo não levo nem devo
devolvo na mesma hora
e se precisar de mais ação
boto o pau pra fora
bato com ele na mesa
mas só de mentirinha
porque muito embora
não tenha a língua presa
acabo sendo sempre da paz
e não importa o que se faz
dentro de um quarto de motel
somos todos livres para
atuar em qualquer papel
se acha que nada se compara
a dar o rabo por aí
dê bastante e faça bem-feito
que não serei eu aqui
que vá pôr algum defeito
gosto de putas e veados
sem qualquer distinção
e também de sapatão
me perdoem o palavrão
se chamo com esses nomes
o que não acho que é correto
é culpa desta língua solta
que não troca cu por reto
como disse agora há pouco
não tenho medo nenhum
de até mesmo soltar um pum
pois sou assim meio louco
de dizer o que eu digo
de escrever o que escrevo
olhando só pro meu umbigo
e pagando o que não devo
solto o verbo e não poupo a língua
não sou de morrer à míngua
se preciso falar um não
por conta de qualquer palavrão
que se foda cada dia o mundo
repito o poeta não sou Raimundo
nem como o prato pelas beiradas
meto o pé pelas estradas
esquartejo a prosa e o verso
e não tenho muita pressa
bebo vinho bebo pinga
e o palavrão que se apressa
sai redondo da minha língua
quando vou latindo à luz da lua
pela noite e à madrugada nua
soltando uivos soltando fogo
que a pinga me esquente
para o final desse jogo
que o vinho me alimente
para nunca deixar barato
nem ronco de valentão
nem chiado de rato
dou logo um chutão
vou adiante atrás de mim
buscando meu coração
sei de rezas do capeta
sei de pecados de deus
fodo alguma boceta
sem nenhuma treta
e de vez em quando
também fodo um cu
a vida vou levando
não debaixo dos panos
sem praga de urubu
conto perdas e danos
mas não passo recibo
fico na minha tribo
sem amolar ninguém
que aqui você não tem
quem dê asa a barata morta
não me venha com frescura
nem defendendo ditadura
escoro no pé qualquer porta
e arrombo a sacanagem
contra qualquer trolagem
de imbecil ou de boçal
que faça fofoca e fale mal
de quem eu gosto e admiro
porque embora sem carabina
armo o verbo e até dou tiro
na cabeça de nazista
como faço a qualquer fascista
que segue o Bolsonaro
minha vida tem passado
e não há nada de ignaro
que chute a bunda de idiotas
que falam e fazem merda
não sou de contar lorotas
mas da escova tiro a cerda
para pentear qualquer macaco
que atravesse o meu caminho
não dou trela e tiro o cavaco
entorto a chuva entorto o vento
e pego pelo colarinho
sem qualquer contratempo
os idiotas da coerência
pois não tenho paciência
para gente besta e mentirosa
se polícia bate à minha porta
meto o pé pelo beco escuro
viro verso ou viro prosa
e só quando estou seguro
de que nenhum perigo
ronda a vida que escolhi
cuspo o chumbo e prossigo
cantando como o bem-te-vi
encerro aqui essa treta
do jeito que comecei
sem falar de pau e de boceta
e de tantas coisas que eu sei
vou recolhendo este poema
não esquecendo o meu lema
com uns versos bem quebrados
do fundo d’alma tirados
e no fim um verso imundo
já que não sou urubu
nem como rabo de tatu
que vá todo mundo
tomar lá bem no fundo
bem no fundo do próprio cu
6.1.2024
(Ilustração: Georges Pichard: plume dans Q)