28 de mai. de 2024

eu e meus poemas

 




podem faltar aos meus poemas a natureza

o canto dos pássaros

o cair da chuva

florestas e flores e frutos

o rastro da onça na beira do rio



podem faltar aos meus poemas a cidade

o ronco dos motores

o passo apressado dos humanos robotizados

a cor negra do asfalto derretido em verões assustadores

os arranha-céus que arranham nossos desejos



podem faltar aos meus poemas a métrica perfeita

as rimas ricas

as palavras escondidas nos dicionários

as metáforas anabolizadas de açúcar

o ritmo nervoso dos hendecassílabos



pode tudo faltar aos meus poemas

mas não pode nunca faltar

o meu eu ali no meio de cada verso

e só por isso tenho-os – aos meus versos – o conceito

de que vibram ao pulsar das minhas veias

e isso me basta



já li muito poema meia-boca

de semi-poetas assim como eu

não os critico nem os desprezo

já que também me considero um semi-poeta

a despejar em versos nem sempre muito bem-postos

o que eu sinto e quanto eu minto

quando escrevo meus versos tortos e tronchos

como todos os demais semi-poetas

que o mundo povoam com suas queixas e seu lirismo besta



sigo comigo eu e meus poemas

e pouco me importa que os despreze

quem nunca mergulhou no seu próprio eu

à procura de ideias brilhantes e pensamentos profundos

e só encontrou esse lirismo arreganhado e amarfanhado

bolas de papel jogadas no lixo do desespero

ou apenas flutuando como peixes mortos

na linha da memória de tempos sonhados e nunca cumpridos



sou eu só e meus poemas

na noite de solidão e estrelas distantes

nas tardes de outono e melancolia

sou eu só e meus poemas

na quietude de mim mesmo em meu refúgio

lá dentro de meus pensamentos e sentimentos

náufrago talvez

nunca porém arrefecido pelas misérias do mundo



4.3.2023

(Ilustração: Iman Maleki - wish)



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