podem faltar aos meus poemas a natureza
o canto dos pássaros
o cair da chuva
florestas e flores e frutos
o rastro da onça na beira do rio
podem faltar aos meus poemas a cidade
o ronco dos motores
o passo apressado dos humanos robotizados
a cor negra do asfalto derretido em verões assustadores
os arranha-céus que arranham nossos desejos
podem faltar aos meus poemas a métrica perfeita
as rimas ricas
as palavras escondidas nos dicionários
as metáforas anabolizadas de açúcar
o ritmo nervoso dos hendecassílabos
pode tudo faltar aos meus poemas
mas não pode nunca faltar
o meu eu ali no meio de cada verso
e só por isso tenho-os – aos meus versos – o conceito
de que vibram ao pulsar das minhas veias
e isso me basta
já li muito poema meia-boca
de semi-poetas assim como eu
não os critico nem os desprezo
já que também me considero um semi-poeta
a despejar em versos nem sempre muito bem-postos
o que eu sinto e quanto eu minto
quando escrevo meus versos tortos e tronchos
como todos os demais semi-poetas
que o mundo povoam com suas queixas e seu lirismo besta
sigo comigo eu e meus poemas
e pouco me importa que os despreze
quem nunca mergulhou no seu próprio eu
à procura de ideias brilhantes e pensamentos profundos
e só encontrou esse lirismo arreganhado e amarfanhado
bolas de papel jogadas no lixo do desespero
ou apenas flutuando como peixes mortos
na linha da memória de tempos sonhados e nunca cumpridos
sou eu só e meus poemas
na noite de solidão e estrelas distantes
nas tardes de outono e melancolia
sou eu só e meus poemas
na quietude de mim mesmo em meu refúgio
lá dentro de meus pensamentos e sentimentos
náufrago talvez
nunca porém arrefecido pelas misérias do mundo
4.3.2023
(Ilustração: Iman Maleki - wish)
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