a poesia bateu num muro de concreto
e quase morreu
vinha ela – a mendiga poesia rota e cansada
pelos caminhos de ferro
tinha até mesmo ao pescoço um cincerro
de tão abandonada e desprezada
e meio que cega bateu
bateu no concreto
direto
e quase que morreu
e quase que foi para o beleléu
e quase do mundo se escafedeu
recuperaram-na medíocres poetas
com doçuras de açúcar-cande e besteiras de intensos suspiros
em rimas de amor e dor sempre muito diretas
e hoje vive a pobre poesia prisioneira
da palavra e das papagaiadas desses maus estetas
derretido o tijolo
e o ferro trançado
de novo na forja lançado
do muro desconcretado
crepita ela em chamas de cérebros torrados
de paixões sem eira nem beira
quadraram-se as línguas viperinas
como se fossem procissões de sexta-feira
à luz tosca de velhas lamparinas
aos versos toscos de velhas rezadeiras
enfiados em rápidos terços e rezas cerebrinas
bate ela – a velha poesia – a cabeça no muro lamentado
a respirar do passado as velhas poeiras
a compor como se fosse um tango enluarado
o samba mal requebrado e mal requentado das periferias
a povoar de rimas cada cabeça pelo dom atormentado
de bater o tambor bem ritmado
e concretar na palma da mão as mais estranhas poesias
- mas respira ainda mesmo que na uti
a velha e boa poesia
24.7.2021
(Ilustração: o poeta, escultor não identificado)
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