25 de mai. de 2024

estranhas poesias

 





a poesia bateu num muro de concreto

e quase morreu

vinha ela – a mendiga poesia rota e cansada

pelos caminhos de ferro

tinha até mesmo ao pescoço um cincerro

de tão abandonada e desprezada

e meio que cega bateu

bateu no concreto

direto

e quase que morreu

e quase que foi para o beleléu

e quase do mundo se escafedeu

recuperaram-na medíocres poetas

com doçuras de açúcar-cande e besteiras de intensos suspiros

em rimas de amor e dor sempre muito diretas



e hoje vive a pobre poesia prisioneira

da palavra e das papagaiadas desses maus estetas

derretido o tijolo

e o ferro trançado

de novo na forja lançado

do muro desconcretado

crepita ela em chamas de cérebros torrados

de paixões sem eira nem beira

quadraram-se as línguas viperinas

como se fossem procissões de sexta-feira

à luz tosca de velhas lamparinas



aos versos toscos de velhas rezadeiras

enfiados em rápidos terços e rezas cerebrinas

bate ela – a velha poesia – a cabeça no muro lamentado

a respirar do passado as velhas poeiras

a compor como se fosse um tango enluarado

o samba mal requebrado e mal requentado das periferias

a povoar de rimas cada cabeça pelo dom atormentado

de bater o tambor bem ritmado

e concretar na palma da mão as mais estranhas poesias

- mas respira ainda mesmo que na uti

a velha e boa poesia



24.7.2021

(Ilustração: o poeta, escultor não identificado)











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