6 de jun. de 2017

Ambíguos corações





(Jacques Louis David - les sabines)







Batei vossos tambores

Tocai vossos clarins

Levantai vossas bandeiras

Juntai vossos amigos e parentes

Gritai palavras de ordem

Marchai pelos campos e pelas cidades

Expulsai os traidores

Destruí todas as fábricas

Enforcai os banqueiros

Derrubai governos e prepostos

Despi das fardas todos os militares

Rasgai todas as vestes sacerdotais

Incendiai palácios templos e repartições públicas

Dinamitai todas as pontes e todos os presídios

Fundi todas as moedas e queimai todos os dinheiros

Libertai-vos finalmente de todo jugo

Prendei e fuzilai os poderosos

Tomai para vós a condução de vossas vidas

Não deixeis pedra sobre pedra

Do império da desigualdade só restem cinzas

Festejai e dançai vossa liberdade



Festejai e dançai vossa liberdade

Pelos campos arrasados e cidades queimadas

Festejai e dançai vossa liberdade

E fazei vicejar tantas vitórias almejadas



Não descanseis ó povos do mundo

Que do mundo velho nada permaneça

Não descanseis ó povos do mundo

Que de novo a desgraça não aconteça



E então enquanto alguns distraidamente lambem suas feridas

Das cinzas da vasta e velha civilização destruída

Um cidadão qualquer se levanta e apalpa o bolso

Tem ainda dinheiro no meio da miséria geral

Chega-se ao vizinho e lhe propõe magros recursos

Com que recomeçar a vida e tocar um bom negócio

A juros módicos que se irão acumular com o sucesso



E então enquanto alguns ainda cantam e dançam sua vitória

Do meio do incêndio já quase agora só brasas

Um esperto cidadão apossa-se da chamuscada chaminé

Acende o fogo e chama os vizinhos esfarrapados

A ajudar-lhe de novo a produzir a soldo parco

Com promessa de um dia melhorar suas vidas



E então enquanto muitos cochilam e descansam depois da refrega

Do meio do nada num campo crestado

Uma família se junta e se abraça e conserta o arado

Dizem-se donos do vasto terreno e semeiam

Um resto de couve no bolso acaso encontrado

E passam a vender o alimento da terra germinado



E então enquanto outros tantos ainda se abraçam em leitos de rosas

Afogado em dívidas o morto de fome um jovem cidadão

Conserta a carroça que puxa ele mesmo pelos campos

Compra da fábrica e do plantador de couves para a todos vender

A cama para o amor da noite e a sopa para fome do dia

A módico preço com o lucro devido por ele estipulado



E assim a despeito de tudo quanto destruíram

Pouco e pouco a antiga civilização se reconstrói

Com poucos amealhando muito e muitos

Comprando com o pouco que ganham

Dos poucos que se dizem donos da terra

Dos poucos novos ricos que tudo produzem

Assim se vende de tudo e a todos por esses poucos

Com lucros cada vez maiores nos bolsos espertos

De ainda uns poucos que dinheiro fabricam

Para os bancos que emprestam a quem não tem

Expandem-se negócios com novas moedas surgidas

Escravos de antes tornam-se senhores de agora

Compra-se vende-se de novo a mais valia

Da velha mão de obra sem pão sem teto sem nada



O tempo traz o progresso de estradas e navios

O dinheiro amortece os sentidos e todos o querem

Todos querem dinheiro e tudo o que o dinheiro compra

Por isso se vendem ao banqueiro e ao capitão de indústria

Por isso se vendem aos novos latifundiários

Produz-se riqueza de novo a poucos pertencida

Produz-se pobreza de novo a muitos distribuída



Batei vossas cabeças

Tocai vossas lamúrias

Levantai vossas angústias

Juntai vossos cacos e vergonhas

Gritai palavras de ódio

Marchai sobre os vossos passos

Que de tudo isso de novo precisais

Ó povos do mundo que do mundo que destruístes

Não havíeis eliminado a maldita semente do capitalismo

Que brota sempre do fogo de vossos descuidos e ambições

Lá do fundo bruto de vossos ambíguos corações



22.4.2017



Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste link de podcast:


https://open.spotify.com/episode/5Rvv6l5yZQw2rwAJPcA2qg?si=ktQHWRAJSwahIl0_kqCR2Q





Nenhum comentário:

Postar um comentário