2 de mai. de 2020

naquele dia



paixão de 16 anos

aos 16 anos a paixão

sem trégua

se bebia água pensava em ti

se jogo futebol penso em ti

se subi na mangueira pensei em ti

o tempo dentro de mim era o tempo de pensar em ti

não havia em mim nada que não fosse o pensar em ti

obsessivamente eu penso e penso e penso em ti

és tu a vida que palpita ao brilho do sol na manhã de primavera

és tu a responsável por esse lugar comum de falar do brilho do sol

na manhã de primavera como se fosse um verso de camões

eras tu a fruta proibida no quintal do vizinho que eu desejava

mas não ousava pular a cerca de arame farpado que nos separava

só as mãos trêmulas sujas de barro e sangue

serias tu a essência absoluta do encanto e do desencanto

paixão aos 16 anos

aos 16 anos a paixão

absoluta

e um dia tu

e um dia você

e um dia não houve amanhã

e um dia abriu-se o abismo

meus olhas não tiveram talude

que impedisse o derrame das águas de verão

águas que vieram como lavas de um vulcão

deixaram sulcos profundos no meu corpo

cicatrizes que contemplo no espelho embaçado do meu quarto

sessenta anos depois

porque naquele dia tu foste

porque naquele dia você foi

porque naquele dia

naquele dia

naquele dia não a vi nunca mais

nunca mais

nunca



16.12.2019

(Ilustração: Alyssa Monks)


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