escrevo para que me entenda
não para que me entendam
busco desatar em mim o estar só
busco estar em mim o desatar do nó
se brinco com os nós da vida
se quebro a noz do tempo
é que embarco no espaço
e em barco furado me perco
destravo os entraves do eu
jogo o jogo do fogo fátuo
impeço a peça de se tornar
na ferrugem da ferragem
um torno em torno de mim
e torno ao fogo da forja
forjando poesia eu minto
se desminto o que sinto
brinco como um brincante
não com os brincos da orelha
da moça do brinco de pérola
mas com os brincos vermelhos
que brincam como escaravelhos
ao ir e vir do vento vago
de jardins de rosas e cravos
e se cravo o prego no pulso
é para que pare de pulsar
expulso o sangue da veia
no veio do rio a prata
que prateia à lua cheia
no prato o leite do gato
engato a rima e na lima
da prosa o verso reverte
transforma e diverte
assim como um fogaréu
acende o sol no céu
e aqui dentro de mim
o lusco-fusco do outono
me cobre de musgo
o músculo do sono
retrato da preguiça
sou eu meio assim
alguém que se espreguiça
morto dentro de mim
28.3.2020
(Ilustração: Eric Lacombe - dark abstract portraits)
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