8 de ago. de 2020

autorretrato nº 8




escrevo para que me entenda

não para que me entendam

busco desatar em mim o estar só

busco estar em mim o desatar do nó

se brinco com os nós da vida

se quebro a noz do tempo

é que embarco no espaço

e em barco furado me perco

destravo os entraves do eu

jogo o jogo do fogo fátuo

impeço a peça de se tornar

na ferrugem da ferragem

um torno em torno de mim

e torno ao fogo da forja

forjando poesia eu minto

se desminto o que sinto

brinco como um brincante

não com os brincos da orelha

da moça do brinco de pérola

mas com os brincos vermelhos

que brincam como escaravelhos

ao ir e vir do vento vago

de jardins de rosas e cravos

e se cravo o prego no pulso

é para que pare de pulsar

expulso o sangue da veia

no veio do rio a prata

que prateia à lua cheia

no prato o leite do gato

engato a rima e na lima

da prosa o verso reverte

transforma e diverte

assim como um fogaréu

acende o sol no céu

e aqui dentro de mim

o lusco-fusco do outono

me cobre de musgo

o músculo do sono

retrato da preguiça

sou eu meio assim

alguém que se espreguiça

morto dentro de mim



28.3.2020

(Ilustração: Eric Lacombe - dark abstract portraits)

 

 

 

 

  

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