3 de nov. de 2021

difícil convivência

 



está o meu corpo em luta comigo mesmo

a despeito dos tantos anos em que em harmonia convivemos

está o meu corpo insatisfeito comigo

não sei se por cansaço de comigo estar há tanto tempo

se por algo que impensadamente lhe infligi



sei apenas que se abriu um fosso entre mim e meu corpo

com acusações silenciosas e contundentes de ambos os lados

a ponto de quase nos tornamos inimigos figadais

depois de tanto tempo que um com o outro conviveu



se ele – o meu corpo – desdenha de minhas preocupações

e coloca na conta de seus desconfortos apenas o cansaço

não consigo eu – por mim mesmo – aceitar como constatação

que ambos desgastamos a convivência por muitos silêncios

por não conversarmos mais amiúde e nos relatarmos um ao outro

certas confissões íntimas e tão pessoais guardadas como segredo

como se não tivéssemos um com o outro o compromisso

o misterioso e enlaçado entre nós compromisso da vida

e agora que essas relações de tal forma se acham estremecidas

olhamos um para o outro e não mais nos compreendemos



1.5.2021

(Ilustração: Gustave Caillebotte - homme au bain)


(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste link de podcast:







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