está o meu corpo em luta comigo mesmo
a despeito dos tantos anos em que em harmonia convivemos
está o meu corpo insatisfeito comigo
não sei se por cansaço de comigo estar há tanto tempo
se por algo que impensadamente lhe infligi
sei apenas que se abriu um fosso entre mim e meu corpo
com acusações silenciosas e contundentes de ambos os lados
a ponto de quase nos tornamos inimigos figadais
depois de tanto tempo que um com o outro conviveu
se ele – o meu corpo – desdenha de minhas preocupações
e coloca na conta de seus desconfortos apenas o cansaço
não consigo eu – por mim mesmo – aceitar como constatação
que ambos desgastamos a convivência por muitos silêncios
por não conversarmos mais amiúde e nos relatarmos um ao outro
certas confissões íntimas e tão pessoais guardadas como segredo
como se não tivéssemos um com o outro o compromisso
o misterioso e enlaçado entre nós compromisso da vida
e agora que essas relações de tal forma se acham estremecidas
olhamos um para o outro e não mais nos compreendemos
1.5.2021
(Ilustração: Gustave Caillebotte - homme au bain)
(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste link de podcast:
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