talvez ao pôr do sol o profeta deixe suas profecias
e caminhe pela fímbria do horizonte macio de certezas
talvez o menino de dedo sujo não escarafunche mais o nariz
em busca de róseas doses de acrobáticas abelhas
talvez o bêbado se desequilibre no meio da cumeeira
para gáudio de seus ilustres companheiros de viagem
talvez o poeta transcreva de novo os versos do bardo
para colorir o dia que se esfumaça nos olhos da amada
talvez a mulher que tece a renda do vestido da noiva
descubra a inutilidade do sim diante do altar vazio
talvez o canto da sereia no entreato da ópera
soe aos ouvidos de mercador do político corrupto
talvez a porta que bateu com o vento e assustou o gato
prenuncie a chuva de pétalas no gramado seco do jardim
talvez o canto do bem-te-vi transforme a tarde triste
em momento de felicidade na varanda dos namorados
talvez os passos que ressoam na calçada escorregadia
vagueiem ao luar sob o estranho desejo de não voltar
talvez os deuses dos campos de papoula circulem
pelos salões de baile da burguesia espantada
talvez o desejo de paz do menino palestino pouse
na mesa dos urubus que voam cada vez mais baixo
talvez meus sonhos sejam apenas sonhos e a vida
- a vida seja apenas o que eu penso que ela seja
20.5.2021
(Ilustração: Elisa Riemier)
(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:
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