23 de nov. de 2021

dúvidas

 



talvez ao pôr do sol o profeta deixe suas profecias

e caminhe pela fímbria do horizonte macio de certezas



talvez o menino de dedo sujo não escarafunche mais o nariz

em busca de róseas doses de acrobáticas abelhas



talvez o bêbado se desequilibre no meio da cumeeira

para gáudio de seus ilustres companheiros de viagem



talvez o poeta transcreva de novo os versos do bardo

para colorir o dia que se esfumaça nos olhos da amada



talvez a mulher que tece a renda do vestido da noiva

descubra a inutilidade do sim diante do altar vazio



talvez o canto da sereia no entreato da ópera

soe aos ouvidos de mercador do político corrupto



talvez a porta que bateu com o vento e assustou o gato

prenuncie a chuva de pétalas no gramado seco do jardim



talvez o canto do bem-te-vi transforme a tarde triste

em momento de felicidade na varanda dos namorados



talvez os passos que ressoam na calçada escorregadia

vagueiem ao luar sob o estranho desejo de não voltar



talvez os deuses dos campos de papoula circulem

pelos salões de baile da burguesia espantada



talvez o desejo de paz do menino palestino pouse

na mesa dos urubus que voam cada vez mais baixo



talvez meus sonhos sejam apenas sonhos e a vida

- a vida seja apenas o que eu penso que ela seja





20.5.2021

(Ilustração: Elisa Riemier)


(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:






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