9 de nov. de 2022

lua triste




o menino tira da boca uma rosa - o sorriso de dentes pequenos

ainda os dentes de leite

não sabe para quem sorri o menino de olhos negros e suaves

sabe apenas que sorri porque a vida ainda é um jardim de grama verde

onde a bola pula no pé - esfera obediente a seus meneios

e o futuro é o gol que o amigo não defendeu



cresceram na boca do menino os dentes e a rosa aos poucos se despetalou

era a vida a reservar para ele - depois da terceira esquina

os dias tristes sem bola e sem gol não defendido por amigos que já se foram

agora o menino já não sorri como antes nem tem nos olhos a suavidade de madrugadas

ainda sonha - sim ainda sonha - mas seu futuro está preso à sua angústia

roda a cidade vendendo não a rosa murcha mas o chocolate de origem duvidosa



uma noite voltava o menino-homem-quase-feito para casa de madrugada

no bolso uns poucos reais da féria do dia

pensava ele na mãe a engrossar o angu do jantar

pensava ele na rosa que não era flor mas tinha dentes brancos e belos como ele

pensava e sonhava

quem sabe - um dia um beijo



e então de repente o susto - perdeu camarada

levanta os braços

vira de costas

abre as pernas

não olhe não olhe não olhe para trás

o que o safado está fazendo sozinho à noite

cadê o fruto do roubo

fala logo que eu não tenho tempo a perder com gente como tu

fala desgraçado

cala a boca cala a boca cala a boca

deita

deita

deita



quando se virou para deitar no asfalto frio o frio dos olhos iguais

os olhos iguais ao dele e a pele ao luar igual à dele a pele negra



não sentiu nada o menino-quase-homem-feito quando a rosa explodiu

não sentiu nada

só a lua piscou antes de se esconder atrás de uma nuvem



no barraco forrado de estrelas

o angu ficou duro e esquecido para sempre

sobre a trempe do fogão apagado



7.3.2022

(Ilustração: Michael D’Antuono)

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