o menino tira da boca uma rosa - o sorriso de dentes pequenos
ainda os dentes de leitenão sabe para quem sorri o menino de olhos negros e suaves
sabe apenas que sorri porque a vida ainda é um jardim de grama verde
onde a bola pula no pé - esfera obediente a seus meneios
e o futuro é o gol que o amigo não defendeu
cresceram na boca do menino os dentes e a rosa aos poucos se despetalou
era a vida a reservar para ele - depois da terceira esquina
os dias tristes sem bola e sem gol não defendido por amigos que já se foram
agora o menino já não sorri como antes nem tem nos olhos a suavidade de madrugadas
ainda sonha - sim ainda sonha - mas seu futuro está preso à sua angústia
roda a cidade vendendo não a rosa murcha mas o chocolate de origem duvidosa
uma noite voltava o menino-homem-quase-feito para casa de madrugada
no bolso uns poucos reais da féria do dia
pensava ele na mãe a engrossar o angu do jantar
pensava ele na rosa que não era flor mas tinha dentes brancos e belos como ele
pensava e sonhava
quem sabe - um dia um beijo
e então de repente o susto - perdeu camarada
levanta os braços
vira de costas
abre as pernas
não olhe não olhe não olhe para trás
o que o safado está fazendo sozinho à noite
cadê o fruto do roubo
fala logo que eu não tenho tempo a perder com gente como tu
fala desgraçado
cala a boca cala a boca cala a boca
deita
deita
deita
quando se virou para deitar no asfalto frio o frio dos olhos iguais
os olhos iguais ao dele e a pele ao luar igual à dele a pele negra
não sentiu nada o menino-quase-homem-feito quando a rosa explodiu
não sentiu nada
só a lua piscou antes de se esconder atrás de uma nuvem
no barraco forrado de estrelas
o angu ficou duro e esquecido para sempre
sobre a trempe do fogão apagado
7.3.2022
(Ilustração: Michael D’Antuono)
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