se nem sempre pulsa em meu peito
a inspiração
eu me pergunto – por onde
anda a deusa despida de meus versos
despojo-me de mim ante seus devaneios
a buscar na plenitude do universo
o canto orfeônico das estrelas mortas
sob a lua antes da manhã de primavera
somente o canto dos pássaros
no espanto do fruto maduro
faz renascer novamente o esplendor
de me recompor em estranhos poemas
para que a vida – que pulsa em minhas veias –
se reanime em sangue e suor e lágrimas
o todo eu em mim mesmo desfeito em líquidos
no caldo primal de universos nascentes
se no peito o coração que bate calmo
sustém o susto de continuar vivo
eu sou – em sumos e células –
o poeta que regurgita as dores todas do mundo
mesmo que as musas mortas
dos velhos mundos em guerra permanente
se estraçalhem no pó das usinas atômicas
desespero-me no entanto ao pensar que
os ventos de ogivas nucleares
possam regurgitar do sol a energia final
e trazer para a superfície dos mares
os abismos todos dos buracos negros estelares
para o último e lancinante grito
que precede aquele grito primal
do último verso jamais escrito
na pele do último ser humano e do último animal
19.11.2022
(Ilustração: Georg Scholz - drei totenköpfe)
👏👏👏👏👏Parabéns poeta!
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